
O trágico falecimento da brasileira Juliana Marins, de 24 anos, natural de Niterói (RJ), reacendeu o debate sobre as obrigações do Estado brasileiro no apoio a cidadãos falecidos fora do país.
De acordo com as notícias veiculadas, a brasileira sofreu uma queda de aproximadamente 300 metros durante uma trilha no vulcão Monte Rinjani, na Indonésia, no dia 20 de junho de 2025. Após quatro dias de buscas, o corpo foi localizado em 24 de junho e resgatado em 25 de junho, por autoridades locais, após uma complexa operação de mais de 14 horas.
Diante da comoção pública, familiares e amigos questionaram o motivo pelo qual o governo brasileiro não custearia o traslado do corpo. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores informou que o custeio do transporte de restos mortais de cidadãos brasileiros no exterior não é de responsabilidade da União, conforme previsto expressamente em norma federal.
Este caso nos permite discutir, sob a ótica do Direito Público, os limites da atuação estatal no exterior, os fundamentos jurídicos da assistência consular e o papel da Administração Pública, diante de tragédias envolvendo cidadãos brasileiros fora do país.
Previsão legal: o que diz a legislação brasileira
O Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta os serviços consulares prestados pelo Estado brasileiro no exterior, é categórico:
Art. 257. A assistência consular compreende:
I – o acompanhamento de casos de acidentes, hospitalização, falecimento e prisão no exterior;
II – a localização e a repatriação de nacionais brasileiros; e
III – o apoio em casos de conflitos armados e catástrofes naturais.
§ 1º A assistência consular não compreende o custeio de despesas com sepultamento e traslado de corpos de nacionais que tenham falecido do exterior, nem despesas com hospitalização, excetuados os itens médicos e o atendimento emergencial em situações de caráter humanitário.
§ 2º A assistência consular observará as disposições do direito internacional e das leis locais do país em que a representação do País no exterior estiver sediada.
Ou seja, a norma é explícita ao impedir que o erário assuma referida despesa, ainda que em situações dramáticas.
A legislação consagra o princípio da legalidade estrita, típico da Administração Pública: nenhuma despesa pública pode ser realizada sem previsão expressa em lei.
Além disso, o art. 37, da Constituição Federal, determina que a atuação da Administração Pública se submete aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Em casos como o de Juliana, mesmo diante de apelos públicos e da comoção social, não há margem discricionária para custear o traslado com verbas estatais — salvo eventual decisão judicial excepcional.
Atribuições consulares: o que cabe ao Itamaraty
O Itamaraty, por meio das embaixadas e consulados, exerce funções consulares que incluem:
- Notificação da morte aos familiares;
- Apoio no reconhecimento do corpo;
- Intermediação com autoridades locais;
- Emissão de atestados consulares de óbito;
- Orientação sobre documentação necessária para o traslado;
- Apoio logístico à família, quando possível.
Todavia, esse suporte se restringe a atos administrativos e documentais — não havendo previsão de custeio financeiro por parte do governo federal.
Quem deve arcar com o traslado?
Na ausência de previsão legal para o gasto público, o custeio do traslado do corpo cabe:
- À família da vítima, que pode contratar diretamente os serviços de funerárias internacionais;
- Ao seguro-viagem, se contratado e se a apólice cobrir esse tipo de situação;
- A entidades privadas ou campanhas de arrecadação promovidas por amigos, organizações ou comunidades.
É comum, inclusive, que familiares recorram a vaquinhas online para arrecadar valores, dado o custo elevado desses procedimentos — que podem ultrapassar os R$ 50 mil, a depender do país e da logística envolvida.
Exceções possíveis à regra
Embora a norma seja clara, algumas exceções hipotéticas podem ser cogitadas, dependendo do contexto:
1. Hipossuficiência econômica extrema
Se comprovada a absoluta impossibilidade da família custear o traslado e se não houver nenhum outro meio disponível, é possível tentar obter apoio emergencial, ainda que parcial, junto a órgãos públicos — embora isso dependa de análise individualizada e não tenha respaldo jurídico garantido.
2. Situação de interesse público ou institucional
Em casos em que o falecido estivesse a serviço do Estado brasileiro, como servidores em missão oficial, militares ou diplomatas, o governo pode assumir os custos, conforme regulamentos próprios e dotação orçamentária específica.
3. Decisão judicial excepcional
A depender da gravidade da situação e dos argumentos apresentados, uma decisão judicial pode determinar que o Estado arque com os custos, sobretudo com base em princípios de dignidade da pessoa humana, solidariedade e razoabilidade — ainda que não seja uma hipótese comum.
Considerações sobre o papel do Estado e os limites da assistência
A atuação consular brasileira é baseada em preceitos de auxílio documental, orientação e representação perante autoridades estrangeiras. O Estado oferece assistência, mas não substitui a responsabilidade individual ou familiar.
O princípio da legalidade impõe barreiras à ação estatal, especialmente no que tange à destinação de recursos públicos. Por mais sensível que seja a situação, o Estado não pode agir por impulso ou comoção — a gestão dos recursos públicos exige previsibilidade, planejamento e respaldo normativo.
Casos como o de Juliana Marins são dolorosos, mas reforçam a necessidade de educação consular preventiva, com ampla divulgação sobre os riscos de viagens internacionais e a importância de contratar seguros que contemplem repatriação em caso de morte.