Direito à alimentação diferenciada para crianças atípicas nas escolas: avanços, desafios e fundamentos jurídicos

A alimentação adequada é direito fundamental assegurado a todas as crianças, mas quando se trata de estudantes atípicos – especialmente aqueles com transtorno do espectro autista (TEA) e restrições alimentares específicas – o tema assume contornos ainda mais sensíveis e desafiadores.

O debate sobre alimentação diferenciada em ambiente escolar é cada vez mais presente, refletindo avanços normativos, demandas sociais e novas interpretações sobre o alcance dos direitos das pessoas com deficiência.

O amparo legal ao direito à alimentação diferenciada

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagra a alimentação como direito social (art. 6º), e diversas normas infraconstitucionais garantem proteção especial à criança e ao adolescente.

Para alunos com deficiência, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e a Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) estabelecem o direito à inclusão e à oferta de adaptações necessárias ao pleno acesso e permanência no ambiente escolar.

A legislação específica sobre alimentação escolar, como a Lei nº 11.947/2009, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e sobre o Programa ‘Dinheiro Direto na Escola’, aos alunos da educação básica, determina que estudantes que necessitem de atenção nutricional individualizada, comprovada por laudo médico ou nutricional, têm direito a um cardápio especial, elaborado conforme suas necessidades específicas.

Ainda, a Lei nº 12.982/2014 reforça esse entendimento ao prever que as escolas públicas devem fornecer alimentação adequada a alunos com condições de saúde que exijam cuidados diferenciados.

Como destaca a doutrina, a seletividade alimentar em crianças com TEA é uma manifestação clínica diretamente associada a questões sensoriais, não sendo meramente uma questão de gosto, mas sim um reflexo das limitações impostas pelo transtorno.

Estudos mostram que as dificuldades alimentares podem acarretar déficits nutricionais e impactar diretamente o desenvolvimento físico, social e acadêmico da criança​.

Seletividade alimentar: aspectos clínicos e desafios na inclusão escolar

A seletividade alimentar, comum entre crianças autistas, está relacionada a padrões restritivos de comportamento e hipersensibilidade a cores, texturas, cheiros ou apresentação dos alimentos.

Referidas dificuldades vão além de simples preferências, exigindo intervenções multidisciplinares e um olhar atento das instituições de ensino, que precisam adaptar o ambiente e a rotina escolar para garantir a inclusão desses alunos​.

A literatura ressalta que tentativas de impor cardápios padronizados sem considerar essas especificidades podem resultar em recusas alimentares, episódios de ansiedade, crises comportamentais e, em situações extremas, até evasão escolar.

O manejo inadequado das necessidades alimentares pode gerar situações de constrangimento e discriminação, violando o direito à educação inclusiva e à dignidade da pessoa humana.

O papel da escola e dos profissionais da educação

O desafio da inclusão alimentar vai além da simples oferta de um cardápio especial. Envolve a formação continuada dos profissionais da educação, diálogo com familiares, atuação conjunta de nutricionistas, psicólogos e pedagogos e o respeito às particularidades de cada estudante.

Os relatos de cuidadores e pesquisadores apontam que a falta de informação e de preparo das escolas para lidar com o comportamento alimentar atípico contribui para o sentimento de impotência das famílias e pode levar à exclusão velada desses estudantes.

É cediço que a qualificação permanente dos profissionais, incluindo merendeiras e toda a equipe escolar, é indispensável para efetivar o direito à alimentação diferenciada e evitar práticas discriminatórias​.

Caminhos para efetivação do direito

Diversos projetos de lei e normas estaduais e municipais, pelo Brasil, têm buscado regulamentar e ampliar o direito de crianças com necessidades alimentares especiais de levar seus próprios alimentos para a escola, quando não houver condições de garantir alimentação segura e adequada no ambiente escolar.

Mencionada permissão é vista como instrumento de proteção à saúde, promoção da inclusão e prevenção de constrangimentos.

O respeito à individualidade alimentar deve ser compreendido como extensão do direito à educação, saúde e dignidade, todos assegurados pela Constituição e pela legislação infraconstitucional.

A participação ativa das famílias, a construção de laudos e planos alimentares individualizados e o diálogo entre escola e comunidade são fundamentais para que o direito à alimentação diferenciada seja efetivo na prática escolar.

Considerações finais

A efetivação do direito à alimentação diferenciada para crianças atípicas nas escolas é expressão do compromisso do Estado e da sociedade com a inclusão, o respeito à diversidade e a promoção dos direitos fundamentais, sendo certo que garantir que todos os estudantes tenham acesso, permanência e participação plena no ambiente escolar depende do reconhecimento e da valorização de suas singularidades​.

O desafio está posto: transformar o ambiente escolar em espaço verdadeiramente acolhedor e inclusivo passa necessariamente pela oferta de alimentação segura, adequada e individualizada para cada aluno, em especial para aqueles que, por suas condições clínicas, dependem dessa adaptação para crescer, aprender e conviver com dignidade.

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