
O processo legislativo brasileiro é composto por diversas fases, que se iniciam com a apresentação de um projeto de lei e culminam na sua sanção ou veto pelo Chefe do Poder Executivo.
O veto representa um mecanismo constitucional que assegura o equilíbrio entre os Poderes Legislativo e Executivo, permitindo ao Executivo obstar total ou parcialmente a entrada em vigor de proposições aprovadas pelo Parlamento.
Conceito e fundamentação constitucional
O veto é o ato formal pelo qual o Presidente da República (ou o Governador e o Prefeito, nos respectivos entes federativos) recusa-se a sancionar, no todo ou em parte, um projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo.
Sua previsão encontra-se nos artigos 66 e 84, da Constituição Federal, que estabelecem as hipóteses, o procedimento e os prazos aplicáveis. Vejamos:
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
§ 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
§ 3º Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.
§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.
§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013)
§ 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.
§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final, ressalvadas as matérias de que trata o art. 62, parágrafo único.
§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.
E
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[…]
V- vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
[…]
O instituto do veto constitui uma manifestação do freio e contrapeso (checks and balances), que caracteriza o modelo de separação dos Poderes, impedindo que o Legislativo exerça domínio absoluto sobre a produção normativa.
Tipos de veto
A Constituição distingue dois tipos de veto:
- Veto Jurídico (ou veto de inconstitucionalidade): é fundamentado na convicção de que o projeto contém dispositivos que contrariam a Constituição. Trata-se de um dever do Chefe do Executivo, pois a sanção de lei inconstitucional afrontaria o princípio da legalidade e o juramento constitucional de respeito à Carta Magna.
- Veto Político (ou veto de interesse público): decorre do entendimento de que a proposta legislativa é contrária ao interesse público, seja por questões de oportunidade, conveniência, mérito, impacto financeiro, entre outros fatores. Diferentemente do veto jurídico, o veto político é ato discricionário.
Importante destacar que, não existe o veto parcial por razões políticas que incida sobre parte de artigo, parágrafo, inciso ou alínea — nesse caso, o Supremo Tribunal Federal entende que apenas o veto jurídico pode ter natureza fracionada, desde que preserve a autonomia normativa do trecho vetado.
Procedimento formal
O procedimento do veto segue regras estritas, sob pena de nulidade:
- Prazo: o Chefe do Executivo dispõe de 15 (quinze) dias úteis para exercer o veto, contados do recebimento do projeto aprovado. Se nada fizer, ocorre a sanção tácita.
- Comunicação e publicação: o veto deve ser justificado, por mensagem ao Presidente da Casa Legislativa de origem (Câmara ou Senado), expondo as razões do veto, seja por inconstitucionalidade, seja por contrariedade ao interesse público.
- Deliberação: a apreciação do veto pelo Parlamento deve ocorrer em sessão conjunta do Congresso Nacional (ou, nos Estados e Municípios, em sessão da Assembleia ou Câmara), no prazo de 30 dias corridos. O veto somente será rejeitado por voto da maioria absoluta dos parlamentares.
- Promulgação: se o veto for mantido, a parte vetada é arquivada definitivamente. Se for rejeitado, a norma é promulgada pelo Presidente do Legislativo ou por seu substituto, caso o Executivo se omita.
Natureza jurídica e controle judicial
O veto é um ato político no caso de razões de interesse público, e ato jurídico vinculado no caso de razões de inconstitucionalidade. Doutrina e jurisprudência firmaram o entendimento de que:
- O veto político não está sujeito a controle jurisdicional quanto ao seu mérito (ou seja, o Judiciário não aprecia a oportunidade e conveniência da recusa).
- Já o veto jurídico pode ser objeto de controle se houver manifesta inconsistência com o fundamento alegado. Por exemplo, se o Executivo declara que veta por inconstitucionalidade mas aponta uma justificativa que não guarda pertinência mínima com os comandos constitucionais.
Além disso, eventuais vícios formais no exercício do veto (ex.: ausência de fundamentação, extrapolação de prazo) podem ensejar judicialização.
Limites ao veto parcial
A Constituição prevê expressamente que o veto parcial somente pode ocorrer em artigos, parágrafos, incisos ou alíneas.
O Supremo Tribunal Federal já declarou inconstitucional o chamado veto de palavra ou expressão isolada, pois esse expediente pode resultar na alteração substancial do sentido da norma aprovada pelo Legislativo, configurando ato legislativo pelo Executivo.
Por esse motivo, é imprescindível que o veto parcial preserve a autonomia e inteligibilidade do texto remanescente, sob pena de violação ao processo legislativo regular.
O papel do Parlamento na análise do veto
A apreciação do veto pelo Parlamento constitui etapa decisiva do processo legislativo.
Os parlamentares, em sessão conjunta, devem deliberar se concordam com as razões apresentadas pelo Executivo ou se insistem na redação originária.
A votação do veto é feita por escrutínio secreto (ou nominal, conforme alteração posterior ao rito), e sua rejeição demanda maioria absoluta dos votos.
Trata-se de um dos mecanismos que reforçam a supremacia legislativa, ao permitir que o Parlamento faça prevalecer sua vontade, desde que observados os quóruns constitucionais.
Considerações finais
O veto é instrumento essencial para assegurar o equilíbrio entre Poderes e evitar que projetos incompatíveis com a Constituição ou contrários ao interesse público se convertam em normas válidas. Seu exercício deve observar rigorosamente as formalidades constitucionais, e o Parlamento possui papel central na análise e eventual rejeição das razões apresentadas pelo Executivo.
Compreender a dinâmica do veto é indispensável para operadores do Direito, agentes políticos e cidadãos interessados na correta aplicação do processo legislativo e na preservação dos princípios republicanos.