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A concessão de vale-alimentação a Vereadores: possibilidade e limites constitucionais

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A concessão de vale-alimentação a vereadores tem gerado discussões relevantes no âmbito do Direito Público, especialmente no que tange à compatibilidade com os princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

A dúvida central gira em torno da possibilidade de incluir esse tipo de benefício na remuneração dos agentes políticos durante a legislatura em curso — e quais os riscos envolvidos nessa escolha legislativa.

Subsídio e limites constitucionais

O ponto de partida para a análise é o que estabelece o artigo 29, inciso VI, da Constituição Federal, segundo o qual o subsídio dos vereadores deve ser fixado pelas Câmaras Municipais na legislatura anterior para vigência na legislatura seguinte.

A finalidade dessa regra é garantir a impessoalidade e impedir aumentos de remuneração durante o mandato.

Vale-alimentação: natureza remuneratória ou indenizatória?

A controvérsia reside na natureza jurídica do vale-alimentação. Se for entendido como verba remuneratória, ele se sujeita aos mesmos limites do subsídio, não podendo ser instituído ou ampliado durante a legislatura.

Por outro lado, se for tratado como verba indenizatória, ou seja, destinada a compensar despesas diretamente relacionadas ao exercício do mandato, poderia haver margem para concessão ainda na legislatura em curso.

Contudo, a caracterização de um benefício como indenizatório não depende apenas da nomenclatura utilizada na lei, mas sim da forma como é estruturado. Pagamentos mensais, de valor fixo, sem necessidade de prestação de contas ou vínculo direto com despesa efetivamente realizada, tendem a ser enquadrados como de natureza remuneratória, ainda que formalmente denominados “indenizações”.

Entendimento dos Tribunais de Contas

Diversos Tribunais de Contas estaduais já se posicionaram sobre o tema, reconhecendo a inconstitucionalidade da concessão de vale-alimentação a vereadores dentro da mesma legislatura, justamente por entenderem que se trata de vantagem remuneratória.

O pagamento regular do benefício, sem vinculação a despesa real e individualizada, configura aumento indireto de subsídio, o que viola o princípio da anterioridade.

Em casos pontuais, houve entendimento favorável à concessão se o benefício fosse excepcional, justificado e com base em prova de despesa, mas são decisões isoladas e não garantem segurança jurídica à medida.

Princípios da moralidade e da impessoalidade

Além do aspecto formal, é importante destacar os princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, previstos no art. 37, da Constituição Federal.

A criação de benefícios a parlamentares durante o próprio mandato, ainda que juridicamente debatível, pode ser interpretada como violação à moralidade pública, especialmente em contextos de escassez orçamentária ou ausência de justificativa plausível.

Projeto de lei com efeitos para a próxima legislatura

A alternativa mais segura — e amplamente aceita — é a aprovação de projeto de lei que preveja a concessão do benefício apenas para a legislatura subsequente. Essa solução respeita os limites constitucionais, evita questionamentos futuros e reforça o compromisso com a transparência e a legalidade na gestão pública.

A previsão de eficácia diferida, como tem sido adotada em alguns projetos de lei municipais, permite que o Poder Legislativo faça o debate público sobre a pertinência do benefício, sem ferir os princípios da anterioridade, moralidade e legalidade.

Considerações finais

A concessão de vale-alimentação a vereadores é possível, desde que respeitados os limites constitucionais e legais, sobretudo quanto à forma de fixação do subsídio e à vedação de acréscimos durante a legislatura.

A tentativa de instituir o benefício com efeitos imediatos, sob a justificativa de que se trata de verba indenizatória, envolve risco jurídico elevado, podendo ensejar questionamentos pelo Ministério Público e pelos Tribunais de Contas.

Nesse cenário, o caminho mais prudente é tratar o tema com responsabilidade, clareza e planejamento, garantindo que qualquer alteração legislativa respeite a ordem constitucional vigente — inclusive quanto ao momento e à forma de sua implementação.

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