Em tempos de constante oscilação de preços e variações inflacionárias, a discussão sobre o reajuste contratual, no âmbito da Administração Pública, ganha renovada relevância.
Recentes análises jurídicas têm reforçado a importância da observância de critérios legais, temporais e técnicos na concessão de reajustes em contratos administrativos, sobretudo aqueles celebrados sob a égide da Lei nº 8.666/1993, ainda aplicável por força de sua ultratividade.
Fundamentos legais do reajuste contratual
O reajuste contratual é um mecanismo assegurado por lei, com o objetivo de preservar o equilíbrio econômico-financeiro originalmente pactuado entre as partes.
A Lei nº 8.666/1993, ainda que revogada pela nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), segue sendo aplicada aos contratos firmados sob sua vigência, conforme assegura o art. 191, de forma expressa.
O art. 65, inciso II, alínea “d”, da antiga lei, autoriza a alteração contratual para reequilibrar encargos diante de fatos imprevisíveis ou previsíveis de efeitos incalculáveis. Porém, no caso do reajuste, trata-se de um fenômeno previsível: a inflação.
É por isso que o reajuste é considerado, pela doutrina majoritária, uma atualização monetária e não uma revisão contratual.
Como explica Celso Antônio Bandeira de Mello1:
(…) o reajuste configura hipótese em que a tarifa substancialmente não muda; altera-se, o preço que a exprime. Como persistem os mesmos fatores incialmente levados em conta, a tarifa é apenas atualizada, a fim de acompanhar a variação normal do preço dos insumos, sem que se lhe agreguem acréscimos, pois não há elementos novos interferentes com ela.
Já o saudoso Hely Lopes Meirelles2 reforçava que se trata de “conduta contratual autorizada por lei para corrigir os efeitos ruinosos da inflação. Não é decorrência da imprevisão das partes; ao contrário, é previsão de uma realidade existente, diante da qual o legislador pátrio institucionalizou o reajustamento dos valores contratuais”.
Critérios legais e índices aplicáveis
O art. 40, inciso XI, da mesma Lei nº 8.666/1993, estabelece que o edital de licitação deve conter, obrigatoriamente, o critério de reajuste.
Quando não estipulado um índice específico no contrato ou na ata de registro de preços, admite-se a adoção de índices setoriais que reflitam a variação dos custos no setor correspondente ao objeto contratado.
Assim, em contratos envolvendo serviços de engenharia ou obras públicas, a aplicação do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) é amplamente aceita e tecnicamente adequada, considerando que acompanha a variação dos insumos da construção civil, o que garante maior aderência à realidade de mercado.
Além disso, a legislação exige o transcurso de no mínimo 12 (doze) meses desde a data-base — geralmente a data da proposta ou orçamento — até a aplicação do reajuste. Essa exigência visa evitar reajustes prematuros e preservar a estabilidade contratual.
Período-base do reajuste: atenção aos marcos temporais
Um ponto frequentemente negligenciado na prática é a correta definição do período-base a ser considerado para o cálculo do reajuste.
Segundo interpretação consolidada, o índice de reajuste deve ser aplicado a partir da data-base contratual até o mês anterior à efetiva aplicação do novo valor.
Em parecer recente, por exemplo, destacou-se que, para um contrato cuja data-base foi fixada em dezembro de 2023, com previsão de aplicação do reajuste em maio de 2025, o período de apuração do índice acumulado deve abranger de dezembro/2023 a abril/2025. Esse cuidado metodológico assegura que o reajuste reflita, com precisão, a variação acumulada dos custos até a véspera de sua implementação.
Reajuste em Atas de Registro de Preços
Outro ponto relevante é a possibilidade de reajuste em contratos oriundos de Atas de Registro de Preços.
Embora algumas atas não estabeleçam de forma expressa o índice a ser aplicado, admite-se a utilização de índice setorial compatível, desde que observado o interstício de 12 (doze) meses e a presença de cláusula que preveja, de forma genérica, a possibilidade de reajuste.
É comum, ainda, que a própria Ata de Registro de Preços traga ressalvas sobre alterações nas condições pactuadas diante de superveniência normativa, ou delegue à contratada a responsabilidade pela atualização dos preços.
Referidas previsões reforçam a segurança jurídica da concessão do reajuste, desde que respaldada tecnicamente e amparada por parecer jurídico.
Considerações finais
A concessão de reajuste contratual, pela Administração Pública, deve sempre observar um tripé básico: (i) previsão contratual ou editalícia, (ii) decurso do período mínimo legal de 12 meses e (iii) utilização de índice tecnicamente justificável.
Além disso, o cálculo do índice acumulado deve observar rigorosamente o período entre a data-base e o mês anterior à aplicação do reajuste.
A correta observância dessas diretrizes evita questionamentos por órgãos de controle, protege o erário de distorções e assegura a continuidade dos serviços públicos em bases justas e equilibradas.
Trata-se, portanto, de um exercício que exige não apenas domínio da legislação, mas também atenção aos detalhes operacionais e temporais que envolvem cada contrato.