A administração pública brasileira é, por excelência, regida pelo princípio da legalidade. Isso significa que nenhuma despesa pública pode ser realizada sem prévia autorização legal e sem obediência aos procedimentos definidos em norma.
Contudo, a própria legislação admite situações excepcionais em que a burocracia é flexibilizada para garantir agilidade e eficiência. É o caso do pronto pagamento, previsto na Lei nº 14.133/2021, como alternativa para atender demandas urgentes e de baixo valor.
O que é o pronto pagamento e qual a base legal?
O instituto do pronto pagamento foi expressamente previsto no §2º, do art. 95, da Lei nº 14.133/2021, que dispõe:
Art. 95. O instrumento de contrato é obrigatório, salvo nas seguintes hipóteses, em que a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço:
I – dispensa de licitação em razão de valor;
II – compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor.
§ 1º Às hipóteses de substituição do instrumento de contrato, aplica-se, no que couber, o disposto no art. 92 desta Lei.
§ 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A norma representa uma exceção ao princípio da formalidade nas contratações públicas, permitindo que determinados bens ou serviços sejam adquiridos sem contrato formal e por meio de pagamento direto, desde que respeitado o limite de valor e a natureza urgente e simples da despesa.
Esse limite de R$ 10.000,00, previsto na lei, é atualizado anualmente. Para o exercício de 2025, por exemplo, o Decreto nº 12.343/2024 atualizou esse teto para R$12.545,11 (doze mil quinhentos e quarenta e cinco reais e onze centavos).
Quando se justifica o pronto pagamento?
A ideia central do pronto pagamento é atender situações cotidianas, de pequena monta, que exijam solução imediata.
Em vez de mobilizar toda a estrutura administrativa para uma contratação formal, o gestor pode, mediante justificativa, recorrer a essa forma simplificada.
São exemplos de situações que podem ensejar o pronto pagamento:
- Aquisição de materiais de expediente urgentes;
- Reparos emergenciais em equipamentos ou instalações;
- Contratação pontual de serviço de entrega ou transporte local;
- Compra de materiais para eventos institucionais, como papelaria ou itens de apoio.
Importante destacar que a urgência e a simplicidade do objeto são elementos essenciais para caracterizar a legalidade do pronto pagamento.
Ele não pode ser utilizado como artifício para fracionamento de despesas, tampouco para evitar a realização de licitação ou dispensa com os devidos controles.
Relação com o art. 75 da nova Lei de Licitações
O art. 75, da Lei nº 14.133/2021, trata das hipóteses de dispensa de licitação, e seu §3º define que, mesmo nos casos de dispensa por valor, é necessário um procedimento formal, com estimativa de preços, parecer jurídico e outros requisitos mínimos. Vejamos:
Art. 75. É dispensável a licitação:
I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; (Vide Decreto nº 12.343, de 2024)
II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras; (Vide Decreto nº 12.343, de 2024)
[…]
§ 3º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.
No entanto, o próprio legislador deixou claro que o pronto pagamento não se confunde com a dispensa por valor, sendo uma exceção à regra de que todo gasto precisa seguir um rito mínimo.
Assim, as despesas de pronto pagamento não precisam observar o procedimento previsto no §3º, do art. 75, justamente por se tratarem de situações excepcionais e de baixo risco à administração.
O papel do controle e da transparência
Embora o procedimento seja simplificado, a Administração não está dispensada de prestar contas nem de justificar os gastos realizados. Ao contrário, o uso do pronto pagamento deve ser amparado por documentos mínimos que garantam a legalidade do ato administrativo, tais como:
- Requisição formal da despesa;
- Justificativa da urgência e da impossibilidade de aguardar contratação convencional;
- Identificação do fornecedor;
- Comprovação da regularidade da empresa (quando possível);
- Comprovação da compatibilidade dos preços com o mercado.
A recomendação é que o pagamento seja efetuado, preferencialmente, por meio de cartão de pagamento institucional, instrumento que garante maior controle e transparência. Os extratos desses cartões devem ser divulgados no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), assegurando publicidade e controle social.
Alternativa: o regime de adiantamento
Outro instrumento previsto na legislação que dialoga com a ideia de despesas rápidas e de pequeno valor é o regime de adiantamento ou suprimento de fundos, previsto no art. 68, da Lei nº 4.320/1964. Nesse modelo, valores são antecipados a um servidor, que posteriormente presta contas da despesa realizada.
A grande diferença é que, no regime de adiantamento, os recursos são repassados previamente a um responsável, que os utiliza conforme as regras do órgão ou entidade, enquanto o pronto pagamento ocorre após a entrega do produto ou serviço.
Em ambos os casos, deve haver controle, documentação e compatibilidade com a legalidade e economicidade.
Regramento interno e boas práticas
Embora a legislação federal defina o conceito e os limites do pronto pagamento, cabe aos entes públicos regulamentar o seu uso por meio de normativos internos, como portarias, instruções normativas ou resoluções. Essa regulamentação pode incluir:
- Valores limites para cada tipo de despesa;
- Lista de hipóteses autorizadas;
- Documentos exigidos para a formalização;
- Responsáveis pela aprovação;
- Procedimentos para pagamento e prestação de contas.
A adoção de boas práticas é essencial para garantir que o pronto pagamento seja utilizado de forma responsável, transparente e em conformidade com os princípios da Administração Pública, como legalidade, moralidade, eficiência e economicidade.
Conclusão: exceção que confirma a regra
O pronto pagamento é uma solução legítima, mas deve ser visto como exceção e não regra.
Serve para resolver questões emergenciais e de pequeno porte, sem paralisar a máquina pública por excesso de burocracia. Contudo, o seu uso exige cautela, fundamentação, registros mínimos e controle efetivo.
Ao utilizar esse instrumento, a Administração Pública reafirma seu compromisso com a eficiência, mas também com a responsabilidade no uso dos recursos públicos — afinal, mesmo as pequenas despesas devem seguir os princípios que norteiam a gestão pública.