Projetos de Lei autorizativos: afinal, eles são constitucionais?

No cotidiano legislativo, sobretudo no âmbito municipal e estadual, é comum o surgimento de proposições conhecidas como projetos de lei autorizativos.

Apesar de sua recorrência, esse tipo de iniciativa ainda gera dúvidas quanto à sua constitucionalidade, à sua utilidade prática e ao seu alcance jurídico. Vamos entender do que se trata esse tipo de proposição e o que a jurisprudência diz sobre ele.

O que caracteriza um projeto de lei autorizativo?

Um projeto de lei autorizativo é aquele que não impõe obrigações, mas apenas autoriza o Poder Executivo a executar determinada ação.

Ele se diferencia de uma lei impositiva, justamente, por não gerar uma obrigação direta ou imediata ao Executivo.

Em sua redação, normalmente é utilizado o verbo “autorizar”, deixando clara a discricionariedade administrativa da autoridade competente em decidir se vai ou não implementar a medida prevista.

Em termos práticos, esses projetos funcionam como um “aval político” do Legislativo para que o Executivo possa, se entender conveniente e oportuno, adotar determinada política pública ou iniciativa.

Separação dos Poderes e iniciativa legislativa

Um ponto central para avaliar a constitucionalidade de projetos autorizativos é o princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal), que determina as competências típicas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

No caso do Legislativo, há limites quanto à iniciativa de projetos que interfiram diretamente na estrutura administrativa, na criação de cargos ou na remuneração de servidores, por exemplo — matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo, conforme o art. 61, §1º, da CF.

No entanto, o projeto autorizativo não impõe execução obrigatória nem cria obrigações administrativas ou financeiras imediatas. Ele apenas abre uma possibilidade de ação, respeitando assim a esfera de competência do Executivo.

O entendimento do STF sobre leis autorizativas

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou em diversas ocasiões sobre esse tipo de proposição.

A jurisprudência da Corte é no sentido de que não há vício de iniciativa quando o projeto não trata da estrutura da Administração Pública, da criação de cargos ou do regime jurídico de servidores, ou seja, não invade as competências privativas do Executivo.

No julgamento do Tema 917 de Repercussão Geral, o STF firmou a seguinte tese:

“Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, §1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).”

Portanto, ainda que algumas leis autorizativas eventualmente venham a envolver custos, sua validade depende da ausência de interferência em áreas de iniciativa privativa do Executivo.

O chamado “teste triplo” de constitucionalidade

Para facilitar a análise jurídica desses projetos, a doutrina e os pareceres técnicos costumam utilizar um “teste triplo” com três perguntas fundamentais:

  1. A matéria está no rol do art. 61, §1º da CF?
    Se estiver, pode haver vício de iniciativa.
  2. Há interferência na organização da Administração?
    Caso positivo, há usurpação de competência do Executivo.
  3. O projeto impõe despesas ou obrigações diretas?
    Se impuser, será considerado inconstitucional.

Se a resposta a essas três perguntas for “não”, é provável que o projeto autorizativo esteja de acordo com os limites constitucionais e possa prosseguir.

Conclusão

Projetos de lei autorizativos são ferramentas legítimas dentro do processo legislativo, desde que respeitados os limites constitucionais.

Eles não podem interferir na organização da administração pública nem criar obrigações para o Executivo, mas podem sinalizar a vontade política do Legislativo em relação a determinada pauta.

Sua validade está diretamente condicionada à preservação da separação dos poderes e à ausência de imposição de condutas compulsórias.

Quando observados esses critérios, o projeto autorizativo pode ser um instrumento valioso de diálogo e cooperação entre os poderes, dentro de um regime democrático.

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