A promulgação da Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção Empresarial, representou um marco na responsabilização objetiva de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a Administração Pública.
Com inspiração em legislações internacionais, como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) norte-americano, a norma estabelece que empresas podem ser responsabilizadas civil e administrativamente, mesmo sem a comprovação de culpa ou dolo de seus dirigentes.
Dentre os instrumentos previstos para aplicação da lei, destaca-se o Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), mecanismo essencial para a responsabilização administrativa das pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção.
O que muitos ainda ignoram, no entanto, é a centralidade do papel dos Municípios na instauração e condução desses processos — um dever legal que, se negligenciado, pode implicar responsabilização institucional.
O que é o PAR?
O Processo Administrativo de Responsabilização é o procedimento previsto nos artigos 8º a 15, da Lei nº 12.846/2013 e regulamentado pelo Decreto Federal nº 11.129/2022 (em substituição ao antigo Decreto nº 8.420/2015), destinado à apuração de infrações cometidas por pessoas jurídicas contra a Administração Pública.
O PAR pode resultar na aplicação de duas sanções principais:
- Multa administrativa de até 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo;
- Publicação extraordinária da decisão condenatória, às custas do infrator, em veículos de grande circulação e na internet.
Além dessas, a decisão final também pode subsidiar o ajuizamento de ação judicial visando ao ressarcimento ao erário, cumulando com sanções da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei de Licitações.
Responsabilidade objetiva da pessoa jurídica
Um dos aspectos mais relevantes — e rigorosos — da Lei Anticorrupção é a adoção do critério de responsabilidade objetiva da empresa.
Isso significa que, diferentemente da responsabilização penal das pessoas físicas, não se exige comprovação de dolo ou culpa para responsabilizar uma empresa por atos como fraudes em licitações, pagamento de propinas ou obstrução de investigações.
Basta que se demonstre o ato lesivo e o nexo de imputação à pessoa jurídica. Referido modelo busca atingir diretamente os efeitos econômicos da corrupção, pressionando o setor privado a adotar programas de integridade e a rever suas práticas de relacionamento com o poder público.
Competência e dever dos Municípios
A Lei nº 12.846/2013 atribui expressamente aos entes federativos — União, Estados, Distrito Federal e Municípios — a competência originária para instaurar e conduzir o PAR. O art. 8º dispõe:
Art. 8º A instauração e o julgamento do processo administrativo serão de competência da autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que tiver relacionamento com a pessoa jurídica responsável pela infração, garantida a ampla defesa e o contraditório.
No âmbito municipal, isso significa que prefeituras, secretarias e autarquias locais têm o dever legal de agir, sempre que identificados indícios de que uma empresa cometeu atos lesivos ao Município.
Essa responsabilidade é ainda mais evidente quando há provocação direta de órgãos de controle, como Tribunais de Contas ou o Ministério Público.
Nessas hipóteses, o silêncio ou omissão do ente municipal pode ser interpretado como descumprimento do dever de zelar pela moralidade e pelo patrimônio público, e abrir caminho para a atuação subsidiária do Ministério Público — conforme prevê o art. 20, da mesma lei.
Riscos da omissão e responsabilização do ente público
O não cumprimento do dever de instaurar PAR pode gerar sérias consequências:
- Atuação direta do Ministério Público, que poderá ajuizar ações civis públicas com base nos mesmos fatos;
- Responsabilização dos agentes públicos, por improbidade administrativa, omissão no dever de ofício ou prevaricação;
- Sanções institucionais ao Município, como restrições à obtenção de recursos e convênios federais, sobretudo quando envolvido em esquemas reiterados de corrupção.
Além disso, eventuais prejuízos ao erário não reparados por omissão administrativa podem ser objeto de ações regressivas movidas por órgãos de controle e fiscalização, inclusive com o ressarcimento sendo exigido dos gestores omissos.
Boas práticas para os Municípios
Frente à complexidade do tema e à necessidade de atuação preventiva, recomenda-se aos Municípios:
- Criação de normativos próprios para regular o PAR no âmbito local, com designação de comissões específicas e capacitação de servidores;
- Estabelecimento de fluxos de recebimento e análise de denúncias, internas e externas, envolvendo fornecedores e contratos;
- Inserção de cláusulas anticorrupção em editais e contratos administrativos;
- Adoção de programas de integridade institucional, alinhados às diretrizes da Controladoria-Geral da União (CGU) e do TCU;
- Atuação proativa na cooperação com o Ministério Público, CGU, AGU e demais órgãos de controle.
Conclusão
O PAR é um importante instrumento de responsabilização no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos.
A sua efetividade, porém, depende do engajamento direto dos entes públicos, especialmente dos Municípios, cuja proximidade com os contratos e serviços públicos locais impõe dever redobrado de vigilância.
Ignorar os indícios de fraudes ou se omitir diante de provocações do Ministério Público pode não apenas comprometer a moralidade administrativa, mas também expor o Município — e seus agentes — à responsabilização institucional.
Cabe, portanto, aos gestores e procuradores municipais estarem atentos, preparados e tecnicamente alinhados para conduzir PARs com responsabilidade, legalidade e firmeza.