
Como cediço, os Conselhos são instrumentos de democratização da gestão pública e, por esse motivo, os princípios da representatividade e da legitimidade devem informar a sua composição.
Em assim sendo, a observância do princípio da paridade, e consequentemente do postulado da isonomia, é fundamental para a legitimidade de sua atividade consultiva e para a discussão das políticas públicas.
Os Conselhos ou Comissões Municipais, como explicitado anteriormente, se inserem no rol de órgãos colegiados de assessoramento, integrantes da estrutura organizacional da Administração local, com o objetivo específico de estudar, incentivar e apresentar sugestões e conclusões a respeito dos assuntos que lhes são afetos.
Não tem personalidade jurídica, não legislam, nem julgam, por isso são organismos de consulta, voltados para a discussão das políticas públicas locais.
Por sua vez, os membros de conselhos integram a categoria de “agentes honoríficos”, que, no dizer de Hely Lopes Meirelles[1]:
São cidadãos convocados, designados ou nomeados para prestar, transitoriamente, determinados serviços ao Estado, em razão de sua condição cívica, de sua honrabilidade ou de sua notória capacidade profissional, mas sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário e, normalmente, sem remuneração. Tais servidores constituem o chamado múnus público, ou serviços públicos relevantes, de que são exemplos a função de jurado, de mesário eleitoral, de comissário de menores, de presidente ou membro de comissão de estudo ou de julgamento e outros da mesma natureza. Os agentes honoríficos não são agentes públicos, mas momentaneamente exercem uma função pública, e enquanto a desempenham, sujeitam-se à hierarquia e disciplina do órgão a que estão servindo, podendo receber um pro labore e contar o período de trabalho como de serviço público. Não incidem as proibições constitucionais de acumulação de cargos, funções ou empregos (art. 37, XVI e XVII, da CFRB), porque sua vinculação com o Estado é sempre transitória e a título de colaboração única, sem caráter empregatício.
Pois bem, no que diz respeito, especificamente, à participação de vereadores ou representantes da Câmara Municipal, como membros dos Conselhos Municipais, essa caracteriza-se como inconstitucional, pois esses são organismos que compõem a estrutura do Poder Executivo.
Desta forma, em decorrência do princípio da separação de poderes, os Vereadores ou servidores do Poder legislativo não podem exercer funções no Poder Executivo e muito menos se imiscuir em suas atividades administrativas indicando esse ou aquele cidadão para ocupar este ou aquele cargo no Executivo, ainda que honorífico, sendo certo que são estas considerações que deve o Poder Legislativo utilizar para responder as solicitações recebidas dos Conselhos Municipais.
O princípio da independência de atuação dos dois órgãos do governo municipal impede que os membros da Câmara de Vereadores se vinculem, de forma direta ou indireta, ao Chefe do Executivo municipal.
Referida participação afronta o art. 2º, da Constituição Federal, que trata da separação e harmonia dos Poderes. Seguem precedentes:
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. Conselho Municipal. Composição. Inclusão de representantes do legislativo. Inconstitucionalidade. Viola o art. 5º, § 2º da CE o art. 4º da Lei Municipal nº 1.595/2005, com a redação dada pela Lei Municipal nº 1.629, de 09.06.2006, que inclui dois membros do Poder Legislativo na composição do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. Ação procedente.
Vejamos o texto da Lei 1.595/2005:
Art. 4º – O Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência – CMPD – será composto paritariamente por dezoito membros titulares e igual número de suplentes, sendo nove representantes do Poder Público (sete do Poder Executivo e dois do Poder Legislativo) e nove da Sociedade Civil (…)[2].
Inconstitucionalidade. Ação direita. Lei Municipal nº 2.676/02. Item II do art. 2º. Participação de representante do Poder Legislativo no Conselho Alimentar Escolar do Município. Ação procedente. Inconstitucionalidade declarada[3].
E
Ação Direita de Inconstitucionalidade. Objetiva o afastamento do preceito da alínea “f” do art. 2º, da Lei nº 2.552, de 01.09.2000, do município de Lorena, que dispões sobre a inclusão de um representante da Câmara Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. Impossibilidade de participação de membro do Poder Legislativo no órgão que contempla o exercício de função organizacional atinente à Administração Pública. Arguida a usurpação de atribuição exclusiva do Chefe do Executivo, ante a quebra de harmonia e independência entre os poderes. Violação dos preceitos contidos nos artigos 5º e 144 da Constituição Estadual. Ação procedente[4].
O Supremo Tribunal Federal divulga, no seu sítio eletrônico, um capítulo denominado “A Constituição e o Supremo”, no qual elenca diversos precedentes relacionados com artigos da CF/88. Entre os relativos ao art. 2º [5], destaca-se o seguinte julgado:
A ação direta foi proposta em face da EC 24/2002 do Estado de Alagoas, a qual dispôs sobre a organização e a estruturação do Conselho Estadual de Educação, órgão integrante da administração pública que desempenha funções administrativas afetas ao Poder Executivo, conferindo à Assembleia Legislativa o direito de indicar um representante seu para fazer parte do Conselho. A disciplina normativa pertinente ao processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da administração pública estadual, ainda que por meio de emenda constitucional, revela matéria que se insere, por sua natureza, entre as de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo local, pelo que disposto no art. 61, § 1º, II, e, da CF. (…) A EC 24/2002 do Estado de Alagoas incide também em afronta ao princípio da separação dos Poderes. Ao impor a indicação pelo Poder Legislativo estadual de um representante seu no Conselho Estadual de Educação, cria modelo de contrapeso que não guarda similitude com os parâmetros da CF. Resulta, portanto, em interferência ilegítima de um Poder sobre o outro, caracterizando manifesta intromissão na função confiada ao chefe do Poder Executivo de exercer a direção superior e dispor sobre a organização e o funcionamento da administração pública.[6]
Desse modo, segundo uma interpretação mais rigorosa da Constituição Federal, pelo princípio da simetria, não poderia o Vereador, como representante do Poder Legislativo, compor conselho ou comissão municipal integrante do Poder Executivo.
Entretanto, é importante salientar que os vereadores podem e devem acompanhar os trabalhos dos Conselhos Municipais, uma vez que a Câmara Municipal é órgão de controle externo da Administração Pública local.
A aproximação entre o Poder Legislativo e os respectivos Conselhos é fundamental, pois ambos têm um papel importante de fiscalização das ações e serviços das áreas sociais, bem como dos recursos nela aplicados.
Referido papel fortalece a construção conjunta da democracia representativa (Vereadores) e da democracia participativa (Conselheiros).
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20 ed. São Paulo: Malheiros. 1995. p. 75/76.
[2] TJSP, ADIN nº 183.480-0/6, rel. Laerte Sampaio, j. 10/03/2010.
[3] ADIN nº 106.924-0/0-00, j. 23/06/2004.
[4] (ADIN nº 106.927-0/3-00, j. 20/07/2005).
[5] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário
[6] ADI 2.654, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 13-8-2014, Plenário, DJE de 9-10-2014.