O pagamento antecipado, na Administração Pública, é um tema que costuma despertar receio entre gestores e empresas contratadas. Afinal, a regra geral que orienta as contratações públicas é a de que o pagamento só deve ocorrer após o recebimento definitivo do objeto contratado, devidamente atestado por servidor responsável.
Essa diretriz busca proteger o erário, assegurar a boa execução e evitar riscos de prejuízo.
Porém, a própria legislação brasileira admite exceções a essa regra.
Quando demonstrado que a antecipação é condição indispensável para a obtenção do bem ou a prestação do serviço, é possível realizar o pagamento antes da execução contratual, desde que atendidos requisitos formais e adoção de mecanismos de controle e mitigação de riscos.
Fundamentos legais do pagamento antecipado
A possibilidade de pagamento antecipado encontra respaldo na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), que dispõe expressamente em seu artigo 145:
Art. 145.Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.
§ 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.
§ 2º A Administração poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado.
§ 3º Caso o objeto não seja executado no prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido.
Esse dispositivo reflete a jurisprudência consolidada do Tribunal de Contas da União (TCU), que em diversos julgados reconhece que a Administração pode autorizar o adiantamento de valores quando a prática for usual no mercado e a ausência de pagamento prévio inviabilizar a contratação.
Vejamos as hipóteses em que o pagamento antecipado é permitido, no âmbito federal:
- aquisição de passagens aéreas e serviços correlatos;
- pagamento de inscrição em eventos;
- contratação de cursos e treinamentos;
- reserva de espaços, hospedagem e transporte terrestre.
Outros entes federativos podem editar regulamentações próprias, mas de maneira geral, a diretriz nacional é semelhante: a exceção deve ser expressa, justificada e acompanhada de cautelas contratuais.
Exemplos de situações que autorizam o pagamento antecipado
Na prática administrativa, são frequentes os casos em que o mercado impõe como condição a realização de pagamentos prévios, total ou parcial. Alguns exemplos comuns incluem:
- Passagens aéreas, rodoviárias ou ferroviárias: as companhias exigem pagamento integral para emissão do bilhete.
- Reserva de hospedagem: hotéis podem cobrar sinal ou depósito de garantia para bloquear quartos.
- Aquisição de bens sob encomenda: fornecedores requerem adiantamento para iniciar a produção.
- Contratação de eventos ou viagens organizadas: agências turísticas costumam condicionar a reserva a um percentual pré-pago.
- Serviços de seguro e franquias: muitas seguradoras só ativam a cobertura após quitação prévia.
Em todos esses casos, a prática deve ser comprovada por pesquisa de mercado, documentos e declarações dos fornecedores.
Exemplo prático: excursão para idosos
Para ilustrar, imagine um Município que organize uma viagem turística para um grupo de idosos participantes de programas sociais. O objetivo é proporcionar lazer e integração social, com transporte, hospedagem e passeios incluídos.
Ao elaborar o termo de referência, a equipe técnica consulta empresas do ramo e constata que todas exigem pagamento antecipado de 50% do valor total, como forma de garantir a reserva de hotéis e passagens.
Nesse contexto, o pagamento antecipado não decorre de liberalidade, mas sim de uma prática usual de mercado, sem a qual o serviço se torna inviável. A justificativa administrativa deve explicitar essa característica, anexando:
- orçamentos das empresas comprovando a exigência do adiantamento;
- declarações formais dos fornecedores;
- pesquisa de preços para demonstrar que a condição é homogênea no setor;
- plano de mitigação de riscos contratuais.
Ao mesmo tempo, o contrato deve prever que a liberação da antecipação estará condicionada à apresentação de documentos comprobatórios da reserva efetiva, como vouchers, recibos e contratos de bloqueio de vagas.
Medidas de segurança e cautelas administrativas
Para mitigar os riscos de prejuízo ao erário, recomenda-se adotar contragarantias e mecanismos de controle.
Algumas boas práticas incluem:
- Previsão de garantias contratuais, como caução, fiança bancária, seguro-garantia ou outras modalidades aceitas pela legislação.
- Definição de marcos comprobatórios, como a obrigação de apresentar notas fiscais, recibos e contratos antes da liberação dos valores.
- Cláusula de rescisão e penalidades, caso o fornecedor não execute o serviço ou não comprove adequadamente a utilização dos recursos.
- Gestão documental rigorosa, com registro formal de todas as fases da contratação.
Essas cautelas são especialmente importantes quando o contratado não é fornecedor habitual do órgão ou quando os valores envolvidos são elevados.
Documentos que devem instruir o processo
Para fundamentar, juridicamente, o pagamento antecipado, o processo administrativo deve conter:
- Justificativa técnica e econômica detalhada, demonstrando a indispensabilidade da antecipação.
- Pesquisa de mercado, evidenciando que a prática é comum e necessária para a contratação.
- Parecer jurídico, atestando a legalidade da cláusula de pagamento antecipado.
- Cláusulas contratuais específicas, com previsão de garantias e regras claras para liberação dos valores.
- Plano de mitigação de riscos, indicando as providências em caso de descumprimento pelo contratado.
Conclusão
Embora a regra geral nas contratações públicas seja o pagamento após a entrega, o ordenamento jurídico brasileiro admite o pagamento antecipado em situações excepcionais e comprovadas.
Quando essa necessidade está devidamente justificada e acompanhada de medidas de cautela, o adiantamento se torna não apenas possível, mas indispensável para garantir a execução adequada do contrato e a satisfação do interesse público.
Para gestores e advogados públicos, o desafio é equilibrar eficiência administrativa com segurança jurídica, assegurando que a decisão seja documentada de forma clara, transparente e conforme a lei.
Assim, será possível conciliar a boa gestão dos recursos com o atendimento de demandas que muitas vezes exigem rapidez e previsibilidade de reserva — como no caso das viagens institucionais, da compra de passagens ou da contratação de eventos essenciais ao serviço público.