A diferença entre o impedimento de licitar e a declaração de inidoneidade para licitar - JURISCONSULTAS

A diferença entre o impedimento de licitar e a declaração de inidoneidade para licitar

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O regime jurídico das contratações públicas brasileiras passou por transformações significativas com a promulgação da Lei nº 14.133/2021, conhecida como a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Entre os muitos dispositivos inovadores, destacam-se os mecanismos sancionatórios aplicáveis a empresas que descumprem obrigações contratuais ou cometem ilícitos em licitações.

Dentre essas sanções, duas se destacam por seus efeitos restritivos à participação em licitações e contratações públicas: o impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade. Embora possam parecer semelhantes, apresentam distinções relevantes quanto à natureza jurídica, ao procedimento de aplicação e, principalmente, ao alcance dos efeitos.

Este artigo explora essas diferenças com base na legislação vigente, na doutrina especializada e nos princípios constitucionais aplicáveis.

Conceito e fundamentos legais

A Lei nº 14.133/2021 estabelece, em seu artigo 156:

Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa;

III – impedimento de licitar e contratar;

IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.

§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados:

I – a natureza e a gravidade da infração cometida;

II – as peculiaridades do caso concreto;

III – as circunstâncias agravantes ou atenuantes;

IV – os danos que dela provierem para a Administração Pública;

V – a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.

§ 2º A sanção prevista no inciso I do caput deste artigo será aplicada exclusivamente pela infração administrativa prevista no inciso I do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave.

§ 3º A sanção prevista no inciso II do caput deste artigo, calculada na forma do edital ou do contrato, não poderá ser inferior a 0,5% (cinco décimos por cento) nem superior a 30% (trinta por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta e será aplicada ao responsável por qualquer das infrações administrativas previstas no art. 155 desta Lei.

§ 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.

§ 5º A sanção prevista no inciso IV do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII, IX, X, XI e XII do caput do art. 155 desta Lei, bem como pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do referido artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave que a sanção referida no § 4º deste artigo, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.

[…]

Ambas as sanções se inserem no poder-dever de autotutela da Administração Públia, que assegura à Administração meios de proteção do interesse público e da moralidade administrativa.

O impedimento de licitar e contratar

O impedimento de licitar e contratar consiste na proibição temporária de participação do sancionado em licitações e contratações restrita ao âmbito do ente federativo ou da esfera administrativa que aplicou a sanção.

Por exemplo, se a sanção for aplicada por um Município, ela surtirá efeitos apenas em relação às licitações e contratos daquele município. Da mesma forma, se aplicada por um órgão federal, restringe-se às contratações com a Administração Pública Federal.

Essa característica de eficácia territorial limitada distingue o impedimento da declaração de inidoneidade.

O artigo 156, §4º, da Lei nº 14.133/2021 explicita essa limitação:

[…] § 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.

Ou seja, trata-se de uma sanção menos gravosa, aplicada a condutas consideradas relevantes, mas que não configuram, necessariamente, ofensa grave à moralidade administrativa capaz de justificar a restrição nacional.

Hipóteses de aplicação

O impedimento pode ser aplicado, por exemplo:

  • Quando o licitante deixar de entregar documentação exigida;
  • Quando não mantiver a proposta;
  • Quando praticar atos ilícitos que não sejam suficientemente graves para ensejar a inidoneidade;
  • Quando não celebrar o contrato injustificadamente.

A aplicação pressupõe:

  • Instauração de processo administrativo sancionador;
  • Garantia do contraditório e da ampla defesa;
  • Decisão motivada.

A declaração de inidoneidade

A declaração de inidoneidade é a sanção mais severa no sistema de contratações públicas. Diferentemente do impedimento, ela produz efeitos em âmbito nacional, impedindo a empresa de participar de qualquer licitação ou contrato com qualquer ente federativo, seja União, Estado, Distrito Federal ou Município.

O artigo 156, §5º, dispõe expressamente:

[…] § 5º A sanção prevista no inciso IV do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII, IX, X, XI e XII do caput do art. 155 desta Lei, bem como pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do referido artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave que a sanção referida no § 4º deste artigo, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.

Essa amplitude reflete a gravidade da conduta sancionada, normalmente associada a práticas fraudulentas ou ofensivas à probidade administrativa.

Hipóteses de aplicação

A inidoneidade pode ser declarada em casos como:

  • Prática de atos ilícitos visando frustrar os objetivos da licitação;
  • Comportamento doloso que cause dano grave à Administração;
  • Cometimento de fraude comprovada no procedimento licitatório.

Por ser a penalidade mais severa, sua aplicação requer ainda mais rigor procedimental, incluindo:

  • Instauração de processo administrativo específico;
  • Notificação formal do interessado;
  • Produção de prova e possibilidade de manifestação;
  • Decisão fundamentada que demonstre a proporcionalidade da medida.

Além disso, a reabilitação da empresa somente será possível após:

  • Decorrido o prazo mínimo de 2 anos;
  • Ressarcimento integral do dano;
  • Cumprimento das condições estipuladas pela Administração.

Consequências práticas e registro em cadastros nacionais

Ambas as sanções devem ser registradas em cadastros públicos, conforme previsto no art. 161, da Lei nº 14.133/21:

  • O Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), centraliza o registro das sanções.
  • O Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), mantido pela Controladoria-Geral da União, também pode refletir essas informações, por força de normas específicas e de convênios de integração entre entes federativos.

Por essa razão, quando o pregoeiro ou comissão de contratação consulta o CEIS, é essencial verificar:

  • O tipo de sanção (impedimento ou inidoneidade);
  • O órgão sancionador;
  • A vigência e abrangência dos efeitos.

Essa distinção evita equívocos como inabilitar automaticamente um licitante que tenha apenas um impedimento restrito a outro ente federativo.

A importância da motivação e da análise individualizada

A doutrina administrativa contemporânea e a jurisprudência dos Tribunais de Contas ressaltam que a aplicação de qualquer sanção restritiva de direitos exige:

  • Motivação detalhada que demonstre a gravidade do ato e a proporcionalidade da penalidade;
  • Observância estrita dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa;
  • Fundamentação clara sobre a abrangência territorial da decisão.

Qualquer decisão de inabilitação com base em registros no CEIS ou CNEP deve conter análise individualizada do ato sancionador, sob pena de nulidade.

Conclusão

A diferenciação entre o impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade é essencial para a correta aplicação das sanções previstas na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Enquanto o impedimento tem efeitos restritos ao ente federativo que aplicou a sanção e representa uma medida temporária, a declaração de inidoneidade tem caráter mais grave e abrange todos os entes públicos do país.

A correta identificação da natureza da penalidade e o respeito ao devido processo legal são requisitos indispensáveis à validade e eficácia de qualquer ato sancionatório.

O tema segue sendo objeto de debates doutrinários e jurisprudenciais e requer atenção redobrada de gestores, pregoeiros, advogados públicos e privados que atuam no âmbito das contratações governamentais.

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