
Os procedimentos licitatórios, regidos no Brasil pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), devem observar, rigorosamente, os princípios da legalidade, publicidade, isonomia e vinculação ao instrumento convocatório.
Contudo, mesmo com a maior cautela, é comum que órgãos públicos se deparem com erros materiais durante a instrução, julgamento ou homologação do certame.
Mas afinal, o que são erros materiais em licitações? Qual sua relevância e como devem ser tratados pela Administração Pública?
Conceito e distinção dos erros materiais
Erro material é toda inexatidão puramente formal, objetiva e evidente que decorre, em regra, de falha de digitação, cálculo ou transposição de dados. Trata-se de situação em que a própria documentação comprova de imediato que houve equívoco, sem que isso configure alteração de vontade ou fraude.
Exemplos típicos:
- Digitação equivocada de quantidade de itens em um anexo do edital;
- Transposição incorreta de valores unitários que não guardam coerência com a planilha de composição;
- Erros de soma no total do orçamento estimado;
- Troca de datas em publicações de avisos.
Ao contrário do erro substancial, que implica vício na essência da manifestação de vontade (e pode invalidar o ato), o erro material não afeta a validade se reconhecido e corrigido tempestivamente.
Ainda que a Lei de Licitações trate de convalidação de vícios mais amplos, doutrina e jurisprudência consolidaram o entendimento de que o erro material não requer propriamente convalidação, mas sim retificação do ato, pois não há vício de legalidade a ser sanado, mas tão somente ajuste formal.
Assim, a correção é perfeitamente legítima quando:
- O equívoco é material e evidente;
- A retificação não altera o objeto do certame nem prejudica a competitividade;
- Há documentação contemporânea que comprove inequivocamente o erro.
Procedimento recomendado para retificação
A depender da fase em que o erro material seja detectado (fase interna, publicação do edital, julgamento das propostas ou homologação), recomenda-se que a Administração adote um procedimento formalizado, documentando a ocorrência e a providência tomada.
De modo geral, os passos incluem:
- Elaboração de despacho ou decisão administrativa fundamentada, reconhecendo o erro material e justificando a correção;
- Atualização dos documentos do processo (por exemplo, planilha, edital consolidado, termo de homologação);
- Publicação de aviso de retificação, se o ato retificado já tiver sido divulgado oficialmente;
- Notificação aos licitantes, se houver reflexos que demandem ciência formal.
Esse procedimento reforça a segurança jurídica e assegura a boa-fé administrativa.
Erro material após a homologação: é possível corrigir?
Uma dúvida recorrente é se o erro material detectado após a homologação impede a correção. A resposta, à luz da jurisprudência e da doutrina, é não.
O ato homologatório tem natureza declaratória, e a retificação posterior de erro material não implica desconstituição do certame nem anulação do ato homologado, desde que:
- O equívoco seja documentalmente comprovado;
- Não haja modificação do objeto contratado;
- A retificação seja devidamente formalizada.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar questões análogas sobre atos administrativos, vem reconhecendo que inexatidões formais não contaminam a essência da contratação pública, desde que sanadas oportunamente.
Importância da cautela e da transparência
Ainda que juridicamente possível, a correção de erros materiais deve ser conduzida com máxima cautela, para evitar questionamentos e dar plena transparência ao procedimento.
Por isso, recomenda-se:
- Formalizar a motivação administrativa;
- Dar ampla publicidade à retificação;
- Registrar todas as providências nos autos;
- Manter os órgãos de controle informados, se necessário.
Conclusão
Os erros materiais em sede de licitação não são raros e, na maioria dos casos, decorrem de lapsos humanos em procedimentos complexos. A boa prática administrativa exige que sejam identificados precocemente, corrigidos de forma fundamentada e documentada, sem prejuízo à lisura do certame e à isonomia entre os licitantes.
Ao lidar com essas situações, a Administração Pública reafirma seu compromisso com o princípio da legalidade e com a confiança legítima depositada pelos cidadãos nos processos licitatórios.