
As emendas parlamentares são instrumentos constitucionais e regimentais que possibilitam aos legisladores a intervenção direta no conteúdo dos projetos de lei durante o processo legislativo.
Esse mecanismo permite que parlamentares apresentem modificações, acréscimos ou supressões, visando o aperfeiçoamento das normas propostas, em respeito ao princípio da participação democrática e ao devido processo legislativo.
Fundamentação constitucional e legal
A Constituição Federal de 1988, no artigo 59, disciplina o processo legislativo, assegurando o direito de os membros do Congresso Nacional apresentarem emendas aos projetos de lei.
Além da Constituição, os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal normatizam os procedimentos específicos para apresentação, análise e votação das emendas, detalhando prazos, tipos e requisitos formais.
Nas esferas estaduais e municipais, o processo legislativo é regulado pelas respectivas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais, que replicam e adaptam esses preceitos conforme as peculiaridades locais.
Natureza e classificação das emendas parlamentares
As propostas de modificação de um projeto em tramitação no Legislativo podem ter escopos diversos. Elas podem buscar a modificação, a supressão, a substituição, o acréscimo ou a redistribuição de disposições constantes do projeto:
- Emendas aditivas: que acrescentam dispositivos ou artigos ao texto original;
- Emendas modificativas: que alteram o conteúdo de dispositivos já existentes no projeto;
- Emendas supressivas: que eliminam dispositivos do texto original;
- Emendas substitutivas: que substituem integralmente o texto de um artigo ou mesmo do projeto, caracterizando-se por alteração profunda.
Decorre da lógica natural do sistema de repartição harmônica dos Poderes, a atribuição conferida ao Legislativo de “emendar” projetos de leis, mesmo que de iniciativa do Poder Executivo, desde que observadas as regras constitucionais, para tanto, em especial a vedação ao aumento de despesa.
Tanto assim, que o art. 29, da Constituição Federal de 1988, dispõe a auto-organização do processo legislativo do ente federativo municipal:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(…)
XI- organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal;
Ademais, as categorias supramencionadas encontram respaldo em manuais legislativos, como o “Manual de Redação Parlamentar” da Câmara dos Deputados e refletem a diversidade de atuação parlamentar na melhoria da legislação.
Procedimento legislativo para emendas no Congresso Nacional
Durante a tramitação de um projeto de lei na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, os parlamentares apresentam suas emendas dentro dos prazos regimentais, que geralmente ocorrem na fase de análise em comissões ou no plenário.
Cada emenda deve conter:
- Fundamentação clara;
- Indicação do dispositivo a ser alterado;
- Justificativa técnica e política.
Após sua apresentação, as emendas são submetidas à análise das comissões responsáveis, que emitem pareceres recomendando a aprovação, rejeição ou modificação das propostas. Posteriormente, são votadas no plenário, podendo ser aprovadas isoladamente ou em bloco.
Em caso de divergência entre as Casas Legislativas (Câmara e Senado), procede-se o processo de sanção ou veto presidencial, observando o princípio da bicameralidade e o sistema de freios e contrapesos.
Emendas parlamentares nas Assembleias Legislativas estaduais
As Assembleias Legislativas estaduais adotam rito semelhante ao federal, observando as normas da Constituição Estadual e seu Regimento Interno.
Os deputados estaduais possuem o direito de apresentar emendas durante a tramitação dos projetos de lei, que são analisadas em comissões temáticas estaduais e votadas em plenário.
Importante destacar que a estrutura dos órgãos legislativos estaduais pode variar, assim como os prazos e procedimentos, que devem respeitar a legislação local e os princípios do devido processo legislativo.
Emendas parlamentares nas Câmaras Municipais
A Constituição Federal assegura, aos vereadores, o exercício do processo legislativo municipal, incluindo o direito de apresentar emendas aos projetos de lei.
As Câmaras Municipais regulamentam o procedimento por meio dos seus Regimentos Internos e Leis Orgânicas, que definem o prazo para apresentação de emendas, análise nas comissões e votação em plenário.
Essas emendas são especialmente relevantes para adaptar projetos às necessidades específicas das comunidades locais, conferindo maior efetividade e legitimidade ao processo legislativo municipal.
Importância das emendas para o aprimoramento legislativo e sua limitação
As emendas parlamentares constituem uma ferramenta fundamental para o controle e o aprimoramento da legislação, permitindo a inserção de demandas sociais, técnicas e políticas que podem não estar contempladas nos textos originais.
Além disso, garantem o exercício da representatividade parlamentar, fortalecendo a participação democrática e o debate público.
Nesse diapasão, o Eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, categoricamente, determina a regularidade de apresentação de emenda à Projeto de Lei pelo Legislativo, desde que não implique na desnaturação do projeto ou em aumento de despesas quando da iniciativa do Executivo:
“EMENTA: INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL – PROCURADOR DO ESTADO – COMPROVAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE JURÍDICA POR TRÊS ANOS – VÍCIO FORMAL – MATÉRIA DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO PODER EXECUTIVO – EMENDA PARLAMENTAR – POSSIBILIDADE – VÍCIO MATERIAL NÃO CONFIGURADO – CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA.
O vício formal não se configura por aprovação de emenda parlamentar a projeto de lei de matéria privativa do Poder Executivo, pois inexiste vinculação à titularidade do poder de iniciativa e do poder de emenda, desde que preservada a pertinência temática com o projeto e não implique aumento de despesas. (…)”
Na doutrina, Hely Lopes Meirelles afirma que o poder de emenda por parte dos parlamentares é possível desde que não acarrete despesa (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.734):
A exclusividade da iniciativa de certas leis destina-se a circunscrever (não a anular) a discussão e votação do projeto às matérias propostas pelo Executivo. Nessa conformidade, pode o Legislativo apresentar emendas supressivas e restritivas, não lhe sendo permitido, porém, oferecer emendas ampliativas, porque estas transbordam da iniciativa do Executivo. Nota-se, em acréscimo, que o art. 63, I, da CF veda o aumento da despesa prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do Executivo, ressalvadas as emendas aos projetos que dispõem sobre matéria orçamentária. Todavia, mister se faz que tais emendas indiquem os recursos necessários à ampliação da despesa, admitindo-se, apenas os recursos provenientes de anulação de despesa, excluídas as relativas às dotações para pessoal e seus encargos e aos serviços das dívidas. Negar sumariamente o direito de emenda à Câmara é reduzir esse órgão a mero homologador da lei proposta pelo Prefeito, o que nos parece incompatível com a função legislativa que lhe é própria. Por outro lado, conceder à Câmara o poder ilimitado de emendar a proposta de iniciativa exclusiva do Prefeito seria invalidar o privilégio constitucional estabelecido em favor do executivo.
Cumpre enfatizar como destacado pelo Supremo Tribunal Federal que:
“(…) O poder de emendar – que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis – qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em ‘numerus clausus’, pela Constituição Federal. – A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 – RTJ 33/107 – RTJ 34/6 – RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. – Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar – que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa. (…)” (RTJ 210/1.084).
“ (…) 3. O Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). Hipóteses que não se fazem presentes no caso dos autos. Vício de inconstitucionalidade formal inexistente. (…)” (STF, ADI 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, 13-10-2010, v.u., DJe 24-02-2011).
“CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. PODER DE EMENDA PARLAMENTAR: PROJETO DE INICIATIVA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: TETO. C.F., art. 96, II, b. C.F., art. 37, XI. I. – Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE 140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30.09.93; ADIn 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, ‘DJ’ 14.12.90; ADIn 865-MA, Celso de Mello, ‘DJ’ 08.04.94. II. – Remuneração dos servidores do Poder Judiciário: o teto a ser observado, no Judiciário da União, é a remuneração do Ministro do S.T.F. Nos Estadosmembros, a remuneração percebida pelo Desembargador. C.F., art. 37, XI. III. – R.E. não conhecido” (STF, RE 191.191-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 12-12-1997, v.u., DJ 20-02-1998, p. 46).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. EMENDA PELO PODER LEGISLATIVO. AUMENTO DE DESPESA. 1. Norma municipal que confere aos servidores inativos o recebimento de proventos integrais correspondente ao vencimento de seu cargo. Lei posterior que condiciona o recebimento deste benefício, pelos ocupantes de cargo em comissão, ao exercício do serviço público por, no mínimo, 12 anos. 2. Norma que rege o regime jurídico de servidor público. Iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Alegação de inconstitucionalidade desta regra, ante a emenda da Câmara de Vereadores, que reduziu o tempo mínimo de exercício de 15 para 12 anos. 3. Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a Parlamentares apresentar emendas à projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, ‘a’ e ‘c’ combinado com o art. 63, I, todos da CF/88). Inaplicabilidade ao caso concreto. 4. Se a norma impugnada for retirada do mundo jurídico, desaparecerá qualquer limite para a concessão da complementação de aposentadoria, acarretando grande prejuízo às finanças do Município. 5. Inteligência do decidido pelo Plenário desta Corte, na ADI 1.926-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence. 6. Recurso extraordinário conhecido e improvido” (RTJ 194/352). “(…) Não havendo aumento de despesa, o Poder Legislativo pode emendar projeto de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, mas esse poder não é ilimitado, não se estendendo ele a emendas que não guardem estreita pertinência com o objeto do projeto encaminhado ao Legislativo pelo Executivo e que digam respeito a matéria que também é da iniciativa privativa daquela autoridade. (…)” (STF, ADI 546-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 11-03-1999, m.v., DJ 14-04-2000, p. 30).
As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do presidente da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). [ADI 3.114, rel. min. Ayres Britto, j. 24-8-2005, P, DJ de 7-4-2006.] = ADI 2.583, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2011, P, DJE de 26-8-2011
O que se percebe é o poder que detém o Legislativo para apresentar emendas aos Projetos de Lei, inclusive os de iniciativa privativa do Executivo municipal, sendo da natureza deliberativa própria das casas legislativas, o que só deve ser obstado nos casos extremamente especiais, de desnaturação do Projeto ou aumento irregular de despesas.
Desafios e boas práticas
Apesar da importância, o uso das emendas deve observar princípios éticos e legais para evitar a proliferação de alterações incompatíveis, inconstitucionais ou meramente protelatórias.
A transparência na tramitação, o debate qualificado nas comissões e a fiscalização dos órgãos de controle, como Tribunais de Contas e Ministério Público, são essenciais para assegurar a legitimidade do processo.