A criação ou revisão de um Plano de Cargos e Salários (PCS), no âmbito municipal, exige muito mais que critérios técnicos de gestão de pessoal. Trata-se de um verdadeiro exercício de conformidade jurídica, sob pena de o plano ser questionado judicialmente e, em casos extremos, declarado inconstitucional – com prejuízos significativos à administração pública e à coletividade.
Neste guia, apresentamos os principais cuidados que devem ser adotados para que o PCS esteja em consonância com os dispositivos constitucionais e não se torne alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
O que é um Plano de Cargos e Salários?
O Plano de Cargos e Salários é o instrumento normativo que organiza as carreiras no serviço público municipal, estabelecendo a estrutura dos cargos efetivos e comissionados, os critérios de ingresso, progressão e promoção, além das respectivas faixas remuneratórias.
Além de garantir transparência e equidade no tratamento dos servidores, o PCS também é essencial para assegurar o cumprimento dos princípios da administração pública, notadamente os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, da Constituição Federal).
O risco da inconstitucionalidade: causas mais comuns
Nos últimos anos, o Ministério Público tem intensificado a fiscalização sobre leis municipais que instituem planos de cargos e salários, com foco em sua adequação à Constituição Federal e aos princípios republicanos.
Dentre os principais motivos que têm levado Tribunais de Justiça e os próprios Tribunais de Contas a recomendar ou declarar a inconstitucionalidade de PCS municipais, destacam-se:
1. Criação de cargos com atribuições genéricas ou sem descrição funcional
É vedada a criação de cargos vagos, com funções indefinidas, pois isso fere o princípio da impessoalidade e abre margem para uso político da estrutura administrativa.
Cada cargo deve ter descrição detalhada de suas atribuições, escolaridade exigida e forma de provimento.
2. Ingresso sem concurso público
Ainda é recorrente a instituição de cargos comissionados de forma excessiva ou desvirtuada, sem relação direta com funções de direção, chefia ou assessoramento, o que fere frontalmente o art. 37, incisos II e V da CF. Essa prática é um dos principais fundamentos de ADIs.
3. Discrepâncias salariais sem fundamentação técnica
A previsão de remunerações desproporcionais ou sem justificativa em critérios objetivos – como complexidade, responsabilidade e qualificação exigida – pode ser considerada violação à isonomia e ao interesse público.
4. Efeitos financeiros retroativos
Outro ponto sensível são dispositivos que estabelecem reajustes com efeitos financeiros retroativos a exercícios anteriores à aprovação da lei, prática considerada inconstitucional por violar o princípio da anterioridade e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
5. Ausência de impacto financeiro e parecer técnico
A falta de estudo de impacto orçamentário e financeiro, previsto no art. 16, da LRF, é vício insanável.
O mesmo vale para projetos que não são acompanhados de parecer técnico-jurídico e de avaliação de compatibilidade com o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Como evitar a ADI: boas práticas jurídicas e administrativas
Para garantir a legalidade e a segurança do plano, recomenda-se seguir as seguintes etapas:
1. Diagnóstico técnico detalhado
Antes da minuta legislativa, é fundamental elaborar um diagnóstico completo da estrutura atual: cargos existentes, número de servidores, lacunas de pessoal, histórico de gratificações e impacto da folha.
2. Elaboração com apoio jurídico e técnico especializado
A equipe que elaborará o plano deve ser multidisciplinar, envolvendo procuradores municipais, profissionais de RH, contadores e, se possível, consultoria externa especializada em administração pública.
3. Justificativa técnica dos cargos e remuneração
Cada cargo novo ou modificado deve vir acompanhado de uma justificativa técnica clara: por que ele é necessário, quais as funções a serem desempenhadas, quais os requisitos e como se enquadra na estrutura municipal.
4. Separação rigorosa entre cargos efetivos e comissionados
Os cargos comissionados devem representar um percentual pequeno e razoável do total, e suas atribuições devem se restringir a funções de direção, chefia e assessoramento, como determina a CF.
5. Estudo de impacto orçamentário e parecer jurídico
O projeto de lei deve obrigatoriamente ser acompanhado de estudo de impacto conforme art. 16 da LRF e parecer jurídico atestando a compatibilidade do plano com os princípios constitucionais e a legislação vigente.
6. Participação do controle interno e externo
É recomendável que a Controladoria Interna e o Tribunal de Contas local sejam envolvidos na análise prévia do projeto, como medida preventiva e de transparência.
As consequências de uma declaração de inconstitucionalidade
Um plano de cargos declarado inconstitucional pode ter consequências sérias para o Município:
- Anulação de nomeações e exoneração de servidores;
- Devolução de valores pagos indevidamente;
- Suspensão de repasses voluntários por inadimplência na LRF;
- Risco de responsabilização do gestor por improbidade administrativa;
- Comprometimento da credibilidade institucional do Município.
Além disso, os prejuízos políticos e sociais são imediatos, uma vez que a insegurança jurídica instalada compromete o bom funcionamento da máquina pública e afeta diretamente os serviços prestados à população.
Conclusão
Elaborar um Plano de Cargos e Salários constitucional é um desafio jurídico e técnico que exige planejamento, embasamento e conformidade com os princípios da Administração Pública.
Em tempos de fiscalização intensa por parte dos Tribunais e do Ministério Público, não basta a boa intenção do gestor: é preciso garantir que o plano seja legal desde sua origem.
Uma proposta bem fundamentada, discutida com os órgãos competentes e construída em conformidade com a Constituição é a melhor forma de valorizar os servidores, modernizar a gestão e proteger o Município de riscos jurídicos.
Caso precise, posso ajudar a estruturar uma minuta de projeto de lei, notas técnicas e checklists de conformidade para cada etapa da elaboração.