
A contratação pública é, em regra, realizada por meio de licitação, conforme determina a Lei 14.133/2021.
No entanto, a própria lei prevê hipóteses em que a licitação pode ser dispensada, desde que obedecidos critérios estritos e respeitados os limites legais, especialmente no que se refere à proibição do fracionamento do objeto.
Dispensa de licitação: hipóteses e limites legais
A Lei 14.133/2021, conhecida como Nova Lei de Licitações, regula as formas pelas quais a administração pública pode contratar bens e serviços.
O artigo 75, da referida lei, elenca as situações em que é possível a dispensa de licitação, como nos casos de pequeno valor – hipótese tratada especificamente em outro post -, emergência ou calamidade pública, ou quando não houver interessados em licitação anterior.
Esses limites estão bem definidos:
- Para obras e serviços de engenharia ou serviços de manutenção de veículos automotores, o limite é de até R$ 100.000,00;
- Para outros serviços e compras, o teto é de R$ 50.000,00.
Há de se mencionar que, nos termos da atualização do Decreto nº 12.343/2024, os valores acima mencionados correspondem, atualmente, a R$ 125.451,15 (cento e vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e um reais e quinze centavos) e a R$ 62.725,59 (sessenta e dois mil setecentos e vinte e cinco reais e cinquenta e nove centavos), respectivamente.
A contratação direta nesses casos visa garantir agilidade e eficiência quando o processo licitatório for inviável ou desnecessário. Contudo, a aplicação dessas hipóteses exige cautela, sob pena de violação dos princípios da legalidade, moralidade, isonomia e eficiência administrativa.
A vedação ao fracionamento do objeto
O fracionamento ilegal ocorre quando o gestor divide, artificialmente, um objeto ou despesa, para enquadrá-lo dentro dos limites de dispensa, fugindo da obrigatoriedade de licitação.
Os Tribunais de Contas nacionais e os órgãos de controle são enfáticos em proibir essa prática e determinam que, para apurar o limite, deve-se considerar o total do exercício e a soma de todos os contratos de mesma natureza, não apenas a contratação pontual.
Um exemplo clássico é o órgão público que necessita de determinado serviço ou aquisição ao longo do ano e, ciente de que o valor global ultrapassará o limite, opta por múltiplas dispensas em valores inferiores mês a mês, fragmentando o contrato.
O objetivo da vedação é evitar que gestores públicos, buscando escapar do processo licitatório, dividam artificialmente demandas que, somadas, exigiriam a realização de licitação. Isso protege os cofres públicos e garante igualdade de oportunidades aos fornecedores.
Entendimento do TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) consolidou o entendimento de que o fracionamento indevido do objeto, para permitir sucessivas dispensas ou inexigibilidades de licitação, viola os princípios da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa.
Destacando que, o fracionamento indevido da despesa, de forma a enquadrar aquisições nos limites de dispensa de licitação, fere os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, previstos no art. 37 da Constituição Federal.
Reforça, ainda, que a soma dos valores estimados para a contratação de serviços de mesma natureza, ainda que para períodos diferentes ou para unidades distintas da mesma entidade, deve ser considerada para fins de definição da modalidade licitatória a ser adotada.
Exemplo prático: como ocorre o fracionamento do objeto
Suponha que um órgão público precise contratar serviços de limpeza ao longo do ano, totalizando R$ 120.000,00.
Para fugir da necessidade de licitação, o gestor público divide o serviço em contratos mensais de R$ 10.000,00 cada, realizando sucessivas dispensas por valor.
Essa conduta caracteriza fracionamento ilegal e pode ensejar responsabilização.
Consequências para o gestor público
A prática do fracionamento indevido pode resultar em responsabilização administrativa, civil e criminal do agente público.
O Tribunal de Contas pode determinar a anulação dos contratos e exigir a devolução dos valores pagos irregularmente, além de aplicação de multas.
O artigo 156, da Lei 14.133/2021 prevê a responsabilização dos agentes que agirem em desconformidade com os princípios e regras da lei, especialmente quando houver dolo, fraude ou má-fé.
Boas práticas para evitar problemas
Para atuar em conformidade, a administração deve:
- Planejar previamente suas contratações, considerando o consumo anual e o valor global necessário.
- Realizar o somatório dos valores de bens, serviços ou obras de mesma natureza, ainda que o fornecimento seja parcelado.
- Justificar formalmente a hipótese de dispensa, apresentando estimativa de preços e todos os documentos exigidos.
- Manter a documentação acessível para fiscalização dos órgãos de controle.
- Consultar a assessoria jurídica sempre que houver dúvida quanto à correta aplicação da lei.
Considerações doutrinárias
A doutrina destaca que a vedação ao fracionamento do objeto busca garantir a observância dos princípios constitucionais da administração pública, previstos no artigo 37, da Constituição Federal.
Segundo Marçal Justen Filho:
“O fracionamento do objeto, como mecanismo para esquivar-se do procedimento licitatório, constitui infração grave à legislação de regência das contratações públicas, pois elimina o caráter competitivo e favorece contratações direcionadas.”
(JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 19ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.)
A Lei 14.133/2021 reforça o papel do planejamento e da legalidade nas contratações públicas, vedando, de forma expressa, o fracionamento do objeto.
Respeitar esse limite é fundamental para a transparência, eficiência e para a proteção do interesse público, sendo também uma exigência reiterada pelos órgãos de controle e pela doutrina especializada.