
A Lei nº 14.133/2021, conhecida como Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, inovou ao consolidar regimes de execução contratual, entre eles a contratação integrada, frequentemente confundida com hipóteses corriqueiras de aquisição de bens acompanhados de instalação e pequenos projetos executivos.
Essa distinção não é apenas conceitual: tem efeitos diretos sobre a modalidade de licitação aplicável, os prazos legais e as obrigações das partes contratantes.
Este post esclarece os contornos legais que diferenciam a contratação integrada do fornecimento com instalação, apontando fundamentos jurídicos, jurisprudência e as boas práticas administrativas.
Conceito legal de Contratação Integrada
O art. 6º, inciso XXXII, da Lei nº 14.133/2021 define contratação integrada da seguinte forma:
Art. 6º […]
XXXII – contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto;
Dessa redação extraem-se quatro elementos cumulativos:
- A Administração Pública dispõe somente do anteprojeto, documento preliminar que indica diretrizes gerais, objetivos e parâmetros mínimos da obra ou serviço;
- O contratado é responsável por elaborar todo o projeto básico, que detalha tecnicamente as soluções construtivas, memoriais descritivos e demais elementos necessários;
- Também cabe ao contratado elaborar o projeto executivo, com todos os detalhes para execução (plantas, especificações, cronogramas, memoriais, orçamentos);
- A execução integral da obra ou serviço de engenharia, incluindo fornecimento de materiais, instalação, montagem, pré-operação e demais etapas.
A ausência de qualquer desses elementos descaracteriza a contratação integrada, devendo-se aplicar outro regime de execução contratual previsto na lei.
Regimes diferenciados: empreitada por preço global e contratação integrada
Muitas contratações públicas se enquadram na chamada empreitada por preço global (art. 6º, inciso XXIX):
Art. 6º […]
XXIX – empreitada por preço global: contratação da execução da obra ou do serviço por preço certo e total;
Esse regime é amplamente utilizado em aquisições de bens com serviços acessórios de instalação, manutenção inicial ou adequações mínimas.
Nesses casos, a Administração elabora previamente o projeto básico (ou termo de referência, quando se trata de bens e serviços comuns), especificando de forma completa:
- As características técnicas do produto.
- As condições de instalação.
- As exigências legais e normativas aplicáveis.
Por isso, o simples fato de a contratação incluir a apresentação de projeto executivo de instalação (por exemplo, projeto elétrico ou estrutural) não a transforma em contratação integrada.
Conforme o entendimento dominante do Tribunal de Contas da União (TCU), esse projeto executivo de instalação é apenas o detalhamento técnico da execução, não se confundindo com a elaboração do projeto básico.
Hipóteses de aplicação da contratação integrada
A utilização da contratação integrada deve observar, ainda, o disposto no art. 46, da Lei nº 14.133/2021, que condiciona sua adoção a situações específicas:
- Viabilidade técnico-econômica devidamente justificada.
- Inovação tecnológica ou técnica.
- Necessidade de execução com diferentes metodologias ou tecnologias que não possam ser suficientemente detalhadas no projeto básico.
Além disso, há obrigatoriedade de realizar estudo técnico preliminar específico demonstrando as razões que impedem a elaboração do projeto básico pela Administração.
Por isso, é incorreto estender o conceito de contratação integrada a aquisições padronizadas de bens e serviços comuns, sob pena de violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade e eficiência.
Prazos de publicação do edital: impacto prático da classificação
A correta identificação do regime de execução tem impacto direto no prazo mínimo de publicação do edital, que é frequentemente alvo de impugnações e questionamentos em órgãos de controle.
O art. 55, da Lei nº 14.133/2021, estabelece:
- Contratação integrada: prazo mínimo de 60 dias úteis entre a divulgação do edital e a apresentação das propostas.
- Pregão eletrônico (bens e serviços comuns): prazo mínimo de 8 dias úteis.
O descumprimento desse prazo pode resultar na anulação do certame por vício formal insanável.
Assim, ao classificar erroneamente uma contratação de fornecimento com instalação como contratação integrada, a Administração sujeita-se à obrigação de manter o edital publicado por 60 dias úteis — o que, na prática, atrasa cronogramas e gera insegurança jurídica desnecessária.
Exemplos práticos
Para ilustrar, vejamos dois exemplos hipotéticos:
Exemplo 1 – Contratação Integrada (caso típico):
A Administração pretende construir um centro tecnológico com soluções de automação predial inovadoras, não possui projeto básico e somente anteprojeto. A empresa contratada deverá elaborar todo o projeto básico e executivo e executar a obra completa.
Exemplo 2 – Fornecimento com Instalação:
Aquisição de sistemas de climatização para prédio existente, com projeto básico já elaborado, detalhando as especificações dos equipamentos e pontos de instalação. O contratado apresentará apenas o projeto executivo de instalação elétrica e realizará os serviços de montagem.
Somente no primeiro caso se configura contratação integrada.
Boas práticas e recomendações
Para evitar riscos de nulidade ou sobrecustos indevidos, recomenda-se que:
a) A Administração elabore o projeto básico ou termo de referência com nível adequado de detalhamento técnico, sempre que possível.
b) A nomenclatura “contratação integrada” só seja empregada se presentes todos os requisitos legais do art. 6º, XXXII, da Lei nº 14.133/2021.
c) Os prazos do edital sejam definidos conforme o regime correto de execução, evitando dilatações desnecessárias.
d) Os documentos de planejamento (estudo técnico preliminar e termo de referência) sejam revisados por assessoria jurídica e equipe técnica para checar enquadramento adequado.
Conclusão
A contratação integrada é um instrumento importante da nova Lei de Licitações, mas deve ser utilizada com cautela e apenas nas hipóteses legalmente previstas.
A inclusão de serviços de instalação e apresentação de projetos executivos de execução não caracteriza, por si só, a contratação integrada, devendo-se atentar para a distinção com a empreitada por preço global ou outras modalidades de contratação.
Essa correta identificação assegura maior segurança jurídica, economicidade e eficiência na gestão dos contratos administrativos.