Em tempos de fortalecimento da transparência e da governança na administração pública, o conflito de interesses em processos licitatórios se apresenta como um dos principais desafios à integridade da gestão pública.
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) trouxe dispositivos importantes para prevenir esse tipo de situação, impondo regras claras sobre quem pode — e quem não pode — participar ou atuar em certames públicos.
O que é conflito de interesses em licitações?
O conflito de interesses ocorre quando o agente público possui vínculo pessoal, familiar ou econômico com alguma das empresas participantes da licitação ou com qualquer um dos atos preparatórios ou de julgamento do certame.
Ainda que o agente não tenha intenção de favorecer alguém, a mera aparência de parcialidade já pode comprometer a lisura do processo.
Essa preocupação está diretamente ligada aos princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade, legalidade e isonomia, que devem reger toda a atuação administrativa.
O que diz a Lei nº 14.133/2021?
O artigo 7º, da nova Lei de Licitações, trata expressamente do tema, ao vedar a participação direta ou indireta em licitações de agentes públicos ligados à entidade contratante, nos seguintes termos:
Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:
I – sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;
II – tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e
III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.
§ 1º A autoridade referida no caput deste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.
§ 2º O disposto no caput e no § 1º deste artigo, inclusive os requisitos estabelecidos, também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.
Ou seja, se um servidor, agente político ou membro da equipe de apoio à licitação tem parentesco em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau com o dono de uma empresa participante do certame, essa empresa não poderá participar legalmente da licitação, sob pena de nulidade.
Afastamento e declaração de impedimento
Quando há conhecimento de potencial conflito, é dever do agente público declarar-se impedido de atuar.
A omissão dessa informação pode configurar infração administrativa grave e até gerar responsabilização por improbidade, nos termos da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), especialmente se houver comprovação de dolo ou benefício indevido.
A melhor prática, portanto, é o afastamento formal do servidor de qualquer análise ou manifestação no processo, com registro nos autos e, se necessário, a substituição por outro agente para garantir a imparcialidade do procedimento.
O papel dos órgãos de controle
Situações como essas devem ser comunicadas aos órgãos de controle interno e externo, como a Controladoria-Geral, o Ministério Público e os Tribunais de Contas, especialmente quando houver dúvida sobre a extensão do conflito ou sobre a atuação legítima do servidor.
Esses órgãos têm autonomia para analisar o caso concreto e avaliar se houve violação à legalidade ou aos princípios administrativos, podendo determinar, se for o caso, a anulação do certame ou a responsabilização dos envolvidos.
Conclusão
A atuação ética e transparente em processos licitatórios é essencial para a confiança da sociedade na Administração Pública.
A nova Lei de Licitações reforça essa necessidade ao trazer dispositivos claros sobre conflitos de interesse e critérios objetivos para atuação e participação nos certames.
A simples vinculação familiar entre agentes públicos e empresas licitantes já deve ser vista com atenção, exigindo postura proativa de autodeclaração de impedimento e afastamento dos envolvidos. Mais do que uma obrigação legal, trata-se de um compromisso com o interesse público.