A participação de pessoas físicas em licitações públicas: possibilidades, limites e fundamentos legais

A participação de pessoas físicas, em licitações públicas, é um tema que ainda gera dúvidas entre operadores do direito, gestores públicos e até mesmo potenciais licitantes.

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) trouxe avanços normativos, mas não afastou completamente a necessidade de análise cuidadosa sobre os requisitos, hipóteses admitidas e restrições aplicáveis à atuação de indivíduos, sem personalidade jurídica empresarial, em certames licitatórios.

Neste artigo, analisamos o enquadramento legal, os tipos de licitação em que a pessoa física pode concorrer, os requisitos mínimos exigidos e os cuidados a serem observados tanto pelo ente público quanto pelo interessado.

Fundamento jurídico: o que diz a Lei 14.133/2021

A Lei 14.133/2021 não veda, expressamente, a participação de pessoas físicas em processos licitatórios. Ao contrário, a norma adota uma linguagem ampla ao se referir aos “interessados”, “licitantes” ou “partes”, sem limitar a participação apenas a pessoas jurídicas.

No entanto, o inciso I, do art. 95, da Lei menciona que o contrato administrativo será formalizado “preferencialmente sob a forma de contrato” e, quando cabível, por outros instrumentos, como a nota de empenho. Isso abre margem para admitir contratações com pessoas físicas, especialmente em modalidades e objetos que prescindam de complexidade técnica ou estrutura empresarial.

Além disso, o art. 14, da nova lei, reforça que a licitação deve observar os princípios da isonomia e da ampla competitividade. Assim, vedar genericamente a participação de pessoas físicas, sem amparo legal, seria contrário a esses princípios constitucionais.

Modalidades em que a pessoa física pode participar

A viabilidade de participação da pessoa física em licitações depende, sobretudo, da natureza do objeto licitado.

Em linhas gerais, as principais hipóteses em que pessoas físicas podem participar são:

1. Contratação direta por inexigibilidade ou dispensa de licitação

É comum que a Administração contrate pessoas físicas em situações de notória especialização (ex.: professores, consultores, artistas), conforme dispõe o art. 74, inciso III, da Lei 14.133/2021. Nesses casos, a inexigibilidade decorre da inviabilidade de competição.

2. Licitações de pequeno valor

A pessoa física pode participar de licitações dispensadas em razão do valor, como previsto no art. 75, inciso I e II. O fracionamento ilegal do objeto deve ser evitado (confira nosso post sobre o tema), mas é legítimo contratar diretamente pequenos serviços ou aquisições de bens, desde que dentro dos limites da lei.

3. Pregões e concorrências, em casos específicos

Embora mais raros, é juridicamente possível que pessoas físicas participem de pregões ou concorrências, especialmente quando o objeto licitado não exija constituição empresarial ou estrutura de pessoal.

Um exemplo seria a prestação de serviços técnicos singulares por profissionais liberais, como arquitetos, engenheiros ou advogados.

Requisitos legais e documentais para a habilitação

Assim como as pessoas jurídicas, as pessoas físicas precisam comprovar capacidade jurídica, regularidade fiscal, qualificação técnica e, quando necessário, qualificação econômico-financeira. Dentre os documentos geralmente exigidos, destacam-se:

  • Cópia autenticada do RG e CPF;
  • Prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);
  • Comprovante de regularidade com a Receita Federal e INSS;
  • Certidão negativa de débitos estaduais e municipais;
  • Inscrição como contribuinte autônomo, quando aplicável;
  • Comprovação de qualificação técnica por meio de atestados ou registros em conselhos de classe;
  • Prova de capacidade financeira, quando o edital exigir.

Importante frisar que o edital deve prever expressamente a possibilidade de participação de pessoas físicas, bem como a forma como os documentos serão exigidos, evitando-se a imposição de critérios voltados exclusivamente a pessoas jurídicas.

Vedações e impedimentos legais

A Lei nº 14.133/2021, assim como outras normas da administração pública, estabelece restrições à contratação de determinadas pessoas físicas:

  • Servidores públicos, conforme previsto no art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993 (ainda aplicável enquanto não regulamentado o art. 178 da Lei 14.133/2021), não podem contratar com o órgão a que estão vinculados, salvo em hipóteses legalmente excepcionadas.
  • Pessoas condenadas por improbidade administrativa, crimes contra a administração pública, lavagem de dinheiro ou corrupção estão proibidas de participar de licitações.
  • Impedimentos decorrentes de sanções administrativas, como suspensão do direito de licitar ou declaração de inidoneidade, também são aplicáveis às pessoas físicas.

Aspectos práticos: vantagens e cuidados

A participação de pessoas físicas em licitações pode representar uma alternativa interessante para a Administração, especialmente para serviços especializados ou fornecimentos de menor vulto. Contudo, alguns cuidados devem ser observados:

  • Capacidade técnica e operacional: é necessário garantir que a pessoa física consiga executar diretamente o objeto contratado, especialmente se envolver prazos, entregas ou responsabilidades técnicas.
  • Tributação: pessoas físicas são tributadas de forma distinta, o que pode impactar no preço ofertado e no regime de retenção de tributos pela Administração.
  • Riscos contratuais: é recomendável que o contrato ou termo equivalente especifique cláusulas claras sobre obrigações, penalidades e prazos.

Painel de Preços e Banco de Preços

Ainda que não estejam voltados diretamente à definição de quem pode participar das licitações, ferramentas como o Painel de Preços do Governo Federal (https://paineldeprecos.planejamento.gov.br) e o Banco de Preços em Saúde, por exemplo, são fontes relevantes para subsidiar a estimativa de preços (leia mais sobre o tema aqui), conforme exige o art. 23 da Lei 14.133/2021.

Inclusive, esses sistemas podem ajudar a demonstrar a viabilidade de contratação de pessoa física quando identificada essa prática no mercado.

Conclusão

A legislação brasileira permite, sim, a participação de pessoas físicas em licitações públicas, desde que respeitados os limites legais, a compatibilidade com o objeto da contratação e os requisitos de habilitação exigidos pelo edital.

A regra geral continua sendo a ampla concorrência, não havendo vedação automática à participação de pessoas físicas, o que reforça o princípio da isonomia.

Cabe à Administração, ao elaborar o edital, definir de forma clara os critérios de participação, evitando restringir indevidamente o caráter competitivo do certame.

Para o licitante pessoa física, a recomendação é estar atento à documentação exigida, à adequação do objeto às suas capacidades e à gestão dos riscos contratuais envolvidos.

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