A obrigatoriedade de audiências públicas antes da votação da LDO nos Municípios: um dever legal e democrático - JURISCONSULTAS

A obrigatoriedade de audiências públicas antes da votação da LDO nos Municípios: um dever legal e democrático

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A participação popular na elaboração das leis orçamentárias é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

No âmbito municipal, essa premissa se materializa especialmente durante o processo de formulação e apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas afinal: é obrigatória a realização de audiência pública antes da votação da LDO nas Câmaras Municipais?

A resposta é afirmativa. Diversos dispositivos legais e interpretações de órgãos de controle reforçam que a ausência de audiência pública no processo de elaboração da LDO configura violação ao princípio da publicidade e da gestão fiscal responsável.

Fundamento constitucional e legal

A obrigatoriedade da realização de audiência pública, antes da aprovação da LDO, decorre de um conjunto de normas infraconstitucionais, cuja leitura conjunta evidencia a imposição legal desse procedimento.

Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000)

O artigo 48, da LRF, determina expressamente:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Mais adiante, o parágrafo único do mesmo artigo dispõe:

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Assim, não se trata de mera faculdade, mas de verdadeira exigência legal, reforçada pela obrigatoriedade de divulgação ampla e da abertura de espaços formais para o debate social.

Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)

No caso de municípios com mais de 20 mil habitantes, o artigo 44, do Estatuto da Cidade, estabelece que:

Art. 44. Nos processos de elaboração, implementação e revisão do plano diretor e demais planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, será obrigatório promover audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade.

Embora se refira especificamente ao plano diretor, a exigência se estende à legislação orçamentária por força do artigo 4º, da mesma lei, que integra o planejamento orçamentário à política de desenvolvimento urbano.

Constituição Federal

A própria Constituição Federal, no artigo 37, caput, consagra os princípios da publicidade e da eficiência, sendo ambos infringidos quando a administração pública ignora a participação social em processos decisórios relevantes como os orçamentários.

Ademais, o artigo 165 prevê que as leis orçamentárias devem observar os princípios do planejamento.

Jurisprudência e entendimentos dos Tribunais de Contas

A obrigatoriedade das audiências públicas também é respaldada por decisões dos Tribunais de Contas Estaduais. Destaca-se, por exemplo, o parecer do Ministério Público de Contas de Santa Catarina (Processo Consulta MPC/TC 21/2009), que concluiu:

“A não realização de audiência pública para discutir o projeto da LDO ofende o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal e compromete a legitimidade do processo orçamentário municipal.”

Além disso, o Tribunal de Contas de São Paulo já se manifestou sobre a importância da participação popular em todas as etapas da elaboração orçamentária municipal, reforçando que a audiência pública é instrumento de controle social e condição para o pleno exercício da cidadania.

Atribuição principal do Poder Executivo

Embora a iniciativa do projeto de lei da LDO seja de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo (art. 165, §2º da CF e leis orgânicas municipais), cabe ao próprio Executivo realizar audiência pública antes de remeter a proposta à Câmara Municipal.

No entanto, caso o Executivo se omita, a Câmara pode e deve promover a audiência, como forma de suprir a falha administrativa e garantir o direito à participação. O descumprimento dessa etapa pode, inclusive, justificar o questionamento judicial do processo legislativo e a responsabilização dos gestores.

Prática recomendada e consequências da omissão

A audiência pública deve ocorrer em tempo hábil, com ampla divulgação prévia, permitindo o comparecimento de cidadãos e representantes da sociedade civil. É recomendável que:

  • Seja publicado edital com, pelo menos, cinco dias úteis de antecedência;
  • Seja disponibilizado o projeto de lei completo para consulta pública;
  • Haja registro (ata, gravação, lista de presença) da audiência;
  • As sugestões eventualmente acolhidas sejam formalmente respondidas.

A ausência desse procedimento pode acarretar:

  • Apontamentos em prestações de contas anuais;
  • Rejeição de contas pelo Tribunal de Contas;
  • Ajuizamento de ações civis públicas por ofensa à transparência;
  • Questionamentos legislativos e jurídicos da validade da norma aprovada.

Conclusão

A audiência pública é, portanto, ato essencial e obrigatório no processo de elaboração da LDO municipal. Não se trata de mera formalidade, mas de mecanismo indispensável para garantir a transparência, a legalidade e o controle social das finanças públicas.

Em tempos de crescente demanda por gestão fiscal responsável, o cumprimento das normas legais que impõem a participação popular é mais do que um dever jurídico — é um compromisso com a democracia.

Referências jurídicas:

  • BRASIL. Constituição Federal de 1988.
  • BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 (LRF).
  • BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade).
  • Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – Boletim de Jurisprudência.
  • Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina – Consulta 21/2009.

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