A possibilidade de leis de iniciativa do Poder Legislativo proibirem a nomeação de condenados por crimes sexuais contra vulneráveis

A proteção da moralidade administrativa e dos direitos de crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis é um imperativo constitucional que desafia os entes federativos a adotarem medidas normativas eficazes.

Uma delas, que tem ganhado força nos municípios brasileiros, consiste na vedação à nomeação ou contratação de pessoas condenadas por crimes sexuais para cargos públicos — especialmente os de livre nomeação, como os cargos em comissão e funções de confiança.

Mas surge a dúvida: o Poder Legislativo municipal pode propor esse tipo de norma?

Competência legislativa e princípios constitucionais

A Constituição Federal, em seu artigo 30, incisos I e II, estabelece que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber.

Ainda, o artigo 37 consagra os princípios que regem a administração pública, entre eles a legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.

A partir desses fundamentos, entende-se que normas que estabelecem critérios mínimos de idoneidade moral para o exercício de cargos públicos, sobretudo em funções que lidam com a população, encontram respaldo jurídico, desde que não interfiram na estrutura administrativa de competência do Poder Executivo.

Iniciativa legislativa e limites formais

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme ao afirmar que, leis que organizam a estrutura da administração pública, criam ou extinguem cargos e estabelecem atribuições específicas são de iniciativa privativa do chefe do Executivo. Contudo, projetos que estabelecem regras gerais de moralidade ou vedações relacionadas a condenações penais não configuram usurpação dessa competência, desde que não alterem diretamente a organização interna da máquina pública.

Nesse sentido, legislações que vedam a nomeação de condenados por crimes sexuais em cargos de confiança não criam cargos nem modificam a estrutura organizacional, mas apenas definem requisitos éticos e morais para o ingresso em determinadas funções — especialmente aquelas cuja investidura se dá por confiança e não por concurso.

Precedentes jurisprudenciais

Uma decisão paradigmática é a do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que declarou a constitucionalidade da Lei nº 8.051/22 do Município de Guarulhos.

A norma proíbe a nomeação de condenados por crimes hediondos em cargos públicos. O tribunal entendeu que a lei:

“[…] não se submete à cláusula de reserva de iniciativa e nem constitui ingerência nas prerrogativas do Poder Executivo, apenas estabelece exigências éticas para o ingresso de servidores comissionados, o que está em consonância com o princípio da moralidade administrativa”.

Casos semelhantes também foram julgados em outros estados, como Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, consolidando o entendimento de que leis de iniciativa parlamentar com esse conteúdo são admissíveis, desde que não violem o núcleo de competências privativas do Executivo.

A importância da proteção a vulneráveis

Do ponto de vista político e social, a vedação à nomeação de pessoas condenadas por crimes sexuais contra vulneráveis reforça o compromisso do poder público com a integridade da população atendida.

Crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e outros grupos em situação de vulnerabilidade não podem ser expostos a riscos que poderiam ser evitados com critérios mais rigorosos de seleção para funções públicas.

Além disso, a exigência de certidões negativas da Justiça Estadual e Federal como pré-requisito para nomeação já é uma prática adotada em diversos municípios, sem que isso represente qualquer afronta a direitos fundamentais — desde que se observe o trânsito em julgado da condenação, resguardando a presunção de inocência.

Considerações finais

A elaboração de uma lei municipal que proíba a nomeação de pessoas condenadas por crimes sexuais contra vulneráveis é juridicamente possível, desde que respeitados os princípios da legalidade, da moralidade e da separação de poderes.

A iniciativa legislativa do vereador ou vereadora é válida, desde que a norma não trate da criação ou extinção de cargos nem interfira diretamente na estrutura administrativa, mas sim regulamente condições éticas para o exercício de cargos públicos de livre nomeação.

Essa é uma tendência crescente nos municípios brasileiros, e um caminho legítimo para fortalecer a integridade da administração pública e a proteção dos que mais precisam da presença responsável e ética do Estado.

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