No universo do Direito Administrativo, a contratação de serviços e aquisição de bens pela Administração Pública exige, como regra, o respeito ao processo licitatório, em nome dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal).
Dentre os instrumentos disponíveis para viabilizar essas contratações, o credenciamento se destaca por sua aplicabilidade em situações específicas em que a competitividade entre os interessados não é a prioridade da Administração.
Conceito e natureza jurídica
No que se refere, especialmente, ao procedimento de Credenciamento, esse nada mais é do que um processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade, para executar o objeto, quando convocados.
Essa sistemática pressupõe a pluralidade de interessados e a indeterminação do número exato de prestadores suficientes para a adequada prestação do serviço e adequado atendimento do interesse público, de forma que, quanto mais particulares tiverem interesse na execução do objeto, melhor será atendido o interesse local.
Assim, se não é possível limitar o número exato de contratados necessários, mas há a necessidade de contratar todos os interessados, não é possível estabelecer competição entre os interessados em contratar com a Administração Pública.
TRatase, portanto, de uma modalidade de contratação direta, que se diferencia das tradicionais modalidades licitatórias (concorrência, pregão, leilão, concurso e diálogo competitivo), por não envolver disputa entre os interessados. Seu fundamento legal é encontrado no art. 74, da Lei nº 14.133/2021, que trata do novo regime de licitações e contratos administrativos. Vejamos:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
[…]
IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento;
Ou seja, trata-se de uma hipótese de inexigibilidade de licitação, pois, por sua própria natureza, não há viabilidade de competição.
Quando utilizar o credenciamento
O credenciamento é especialmente útil nas situações em que:
- A Administração Pública necessita de múltiplos prestadores de serviços ou fornecedores;
- Há a intenção de atender à população de forma descentralizada ou contínua, como na área da saúde ou no fornecimento de transporte;
- O serviço é padronizado, e não há razão para selecionar apenas um entre os interessados.
Exemplos práticos de aplicação
- Rede de clínicas credenciadas: Hospitais públicos podem credenciar clínicas e laboratórios privados para atender pacientes do SUS, mediante pagamento por procedimento realizado.
- Advogados dativos: Estados e municípios podem credenciar advogados para prestar assistência jurídica gratuita em locais onde não há Defensoria Pública.
- Serviços de táxi ou transporte escolar: Municípios podem credenciar motoristas para o transporte de alunos ou servidores, mediante critérios objetivos e pagamentos conforme prestação.
Requisitos legais e formais
Apesar de dispensar o procedimento competitivo, o credenciamento não é um processo informal. Ele exige:
1. Edital de chamamento público
Deve ser publicado edital contendo:
- Objeto da contratação;
- Requisitos mínimos para habilitação (jurídica, técnica, fiscal, trabalhista e econômico-financeira);
- Condições para a prestação do serviço ou fornecimento do bem;
- Valores unitários a serem pagos (se já definidos);
- Prazos de vigência e regras de credenciamento e descredenciamento.
2. Publicidade
O chamamento deve ser amplamente divulgado, preferencialmente nos meios oficiais e de grande circulação, para garantir isonomia e permitir que qualquer interessado que atenda aos critérios possa participar.
3. Formalização contratual
Os interessados habilitados firmam termo de credenciamento ou contrato administrativo, com as cláusulas previamente estabelecidas no edital.
4. Pagamento por demanda
Em regra, não há garantia de demanda ou exclusividade: os credenciados recebem conforme a prestação efetiva do serviço, o que permite uma gestão orçamentária mais flexível e compatível com a realidade da Administração.
Vantagens do credenciamento
- Agilidade na contratação de prestadores de serviços essenciais;
- Ampla concorrência indireta, já que todos que atenderem aos requisitos podem ser contratados;
- Maior capilaridade na prestação de serviços públicos, sobretudo em localidades com pouca estrutura;
- Adequação à economicidade e eficiência, pois a Administração só paga pelo que efetivamente utiliza.
Cuidados e limitações
Apesar das vantagens, o credenciamento não pode ser utilizado indiscriminadamente. É necessário observar:
- Justificativa da inviabilidade de competição, como exige o art. 74, da Lei nº 14.133/2021;
- Definição clara e objetiva dos critérios de credenciamento, evitando subjetividades que possam ser interpretadas como direcionamento indevido;
- Controle da execução contratual, assegurando que os credenciados cumpram fielmente as obrigações assumidas.
Além disso, o credenciamento não substitui a licitação quando há possibilidade real de competição. O uso indevido pode ser interpretado como burla ao dever de licitar, ensejando responsabilizações.
Conclusão
O credenciamento é uma ferramenta jurídica legítima e eficiente para contratações diretas pela Administração Pública, especialmente em contextos de prestação descentralizada de serviços padronizados.
No entanto, seu uso requer planejamento, critérios claros e respeito aos princípios constitucionais e legais que regem a atividade pública.
Seu correto emprego contribui para a efetivação de políticas públicas, a exemplo da saúde e assistência jurídica, e para a promoção de maior acessibilidade da população aos serviços essenciais, com controle, segurança e transparência.