Responsabilização de agentes públicos pela perda ou deterioração de bens públicos

A boa administração do patrimônio público é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Quando bens públicos sofrem deterioração ou são perdidos por omissão, imprudência ou má gestão, surge a necessidade de apurar responsabilidades dos agentes públicos envolvidos. Afinal, como garantir o interesse coletivo se o patrimônio estatal é negligenciado?

Fundamento constitucional e dever de proteção ao patrimônio público

A Constituição Federal de 1988 impõe a todos os agentes públicos o dever de zelar pelo patrimônio público. O caput do artigo 37 consagra os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência — todos eles aplicáveis à gestão de bens públicos.

Mais especificamente, o art. 37, § 6º determina que a Administração Pública direta e indireta responde pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:   

[…]

§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Essa previsão constitucional se alinha com o entendimento de que o bem público não pertence ao governante, mas sim à coletividade, devendo ser tratado com zelo e responsabilidade.

O agente público e sua responsabilidade na gestão patrimonial

A responsabilidade do agente público pode se dar em diversas esferas: civil, administrativa e penal.

Na esfera civil, conforme o art. 927, do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Quando isso envolve o bem público, o dano se estende à coletividade.

No âmbito administrativo-disciplinar, a Lei nº 8.112/1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais) prevê sanções que vão desde advertência até a demissão nos casos de desídia, negligência ou omissão dolosa na conservação de bens públicos sob sua responsabilidade (art. 132, inciso IV, e art. 117, incisos XV e XVI).

A norma supramencionada estipula que, quando há indícios de que um bem público foi perdido, extraviado ou deteriorado por ação ou omissão de um agente público, é dever da Administração instaurar um procedimento para apuração dos fatos. Os dois principais instrumentos previstos na legislação brasileira para esse fim são:

  • A sindicância administrativa, destinada à apuração preliminar de irregularidades e que pode ou não resultar em penalidades;
  • O processo administrativo disciplinar (PAD), que ocorre quando há indícios suficientes de infração e pode culminar em sanções como suspensão ou demissão, conforme previsto na Lei nº 8.112/1990 (para servidores federais) e legislações equivalentes nos demais entes federativos.

Ambos os procedimentos observam o devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal), sendo essenciais para garantir que a responsabilização ocorra com segurança jurídica e respeito às garantias individuais – confira nosso post específico sobre o tema.

Como destaca Carvalho Filho (2023), “a sindicância e o PAD são mecanismos imprescindíveis para a Administração Pública exercer seu dever de autotutela e proteger o patrimônio público de danos causados por má gestão ou negligência de seus agentes”.

Esses procedimentos também podem servir de base para a responsabilização nas esferas civil ou penal, caso os fatos apurados extrapolem a seara administrativa.

Além disso, o agente pode responder por improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/1992, que, em seu art. 10, trata dos atos que causam lesão ao erário, inclusive por ação ou omissão que resulte em perda, extravio, deterioração ou inutilização de bens públicos.

Exemplo doutrinário:

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2019), “a responsabilidade do agente público não decorre apenas de condutas dolosas, mas também de atos culposos que violem os deveres funcionais, especialmente no tocante à preservação dos bens estatais”.

Jurisprudência relevante

O tema já foi enfrentado por tribunais superiores em diversas ocasiões. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiterado que a responsabilidade do agente público pode ser reconhecida diante de negligência ou omissão dolosa na gestão de bens públicos.

Veja-se o seguinte julgado:

“É cabível a responsabilização por ato de improbidade administrativa do agente público que, por negligência, permite o extravio ou destruição de bem público sob sua guarda, ainda que não tenha se beneficiado diretamente da conduta.”
(STJ – REsp 1.240.358/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/04/2012)

Também os Tribunais de Contas desempenham papel fundamental na apuração e responsabilização de agentes que contribuam, com sua conduta ou omissão, para a deterioração de patrimônio público.

A responsabilidade solidária e o direito de regresso

Quando há dano ao erário, a Administração Pública tem o dever de buscar o ressarcimento, inclusive acionando judicialmente o agente causador do dano. Tal direito é garantido pela própria Constituição (art. 37, § 6º) e pode ser exercido mesmo após a responsabilização nas esferas administrativa ou penal, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa.

Em muitos casos, a responsabilidade pode ser solidária, especialmente se mais de um servidor ou gestor tiver contribuído, ainda que por omissão, para o dano ao patrimônio.

Casos práticos e medidas preventivas

Casos de deterioração de escolas públicas por falta de manutenção, extravio de veículos e equipamentos em repartições públicas, ou mesmo o abandono de prédios públicos inativos são exemplos recorrentes.

Em muitos desses, verifica-se a ausência de inventário atualizado, má gestão dos contratos de manutenção ou descaso dos responsáveis diretos.

Para prevenir tais situações, a Administração deve adotar boas práticas de governança, como:

  • manutenção periódica e registros de bens;
  • responsabilização clara dos servidores por setores;
  • uso de tecnologias para rastreamento patrimonial;
  • capacitação continuada dos gestores públicos.

Conclusão

A responsabilidade do agente público pela deterioração ou perda de bens públicos é inegável e necessária à boa governança.

Não se trata apenas de punir, mas de assegurar que o patrimônio do povo seja gerido com seriedade e compromisso.

A omissão no cuidado com os bens públicos é uma forma indireta de descaso com o interesse coletivo. E, nesse contexto, a responsabilização é uma ferramenta de justiça, legalidade e proteção ao bem comum.

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